domingo, 8 de junho de 2008

Os Jogos Olímpicos de 1968

Por Tamara Feijó (Editoria de Esportes)

Mil novecentos e sessenta e oito, ano de muitas transformações em todo o mundo, também foi ano de Olimpíadas. Desta vez, os jogos seriam realizados na Cidade do México, a 2.300 metros acima do nível do mar. A primeira locação do evento na América Latina foi marcada por polêmicas desde a sua escolha, visto que muitas pessoas reclamaram dos efeitos que o ar mais rarefeito poderia causar no desempenho dos atletas.


Algumas provas de resistência e de longas distâncias realmente foram prejudicadas. No entanto, as mais curtas e as que necessitavam de um esforço mais imediato, como as corridas de menos de 800m, halterofilismo e lançamento de dardo, acabaram obtendo uma grande quantidade de recordes mundiais e olímpicos. Um exemplo inesquecível do efeito da altitude se deu no salto em distância, onde o norte-americano Bob Beamon levou o ouro após conseguir saltar 8,90m, mais de meio metro acima do recorde então vigente. A marca é tão espetacular que se mantém como recorde olímpico até hoje.


Os jogos do México ficaram conhecidos como os primeiros a contarem com o controle ao uso de doping. Além disso, foram introduzidos testes de comprovação de sexo para as provas femininas. Esses testes foram muito cobrados, na época, pelos países que compunham o bloco capitalista, já que havia uma séria suspeita em relação a aparência física das socialistas. Nenhuma mulher foi pega nos exames, no entanto, importantes atletas deixaram de se inscrever nas competições.

Também foi no México que, pela primeira vez, uma mulher carregou a tocha olímpica. A mexicana Norma Enriqueta Basílio, especialista nos 400 metros rasos, entrou para a história ao acender a pira diante de um estádio lotado. O percurso da tocha seguiu a rota de Cristóvão Colombo, saindo da Espanha, pelo Atlântico, até a costa mexicana.


Pela primeira vez na história passava de 100 o número de nações participantes dos Jogos Olímpicos. Foram 112 países, num total de 5.516 atletas, sendo 781 do sexo feminino. Apesar dos bons números, o México ficou marcado como a pior participação de um país sede em jogos olímpicos, ocupando, apenas, o 15º lugar.

O Brasil contou com uma delegação de 84 atletas - apenas 3 mulheres - e disputou 12 modalidades. O país acabou ficando na 35ª colocação, com uma medalha de prata e duas de bronze.

México x China

Muitas coisas diferenciam o ano de 1968 e o de 2008. Quarenta anos se passaram e os dias atuais nem de longe lembram o horror vivido naquela época por quase todo o mundo. No Brasil, enfrentávamos a Ditadura Militar, assim como nossos vizinhos sul-americanos. O resto do mundo foi marcado pela Guerra do Vietnã, pelo assassinato de Martin Luther King, pela invasão soviética da Tchecoslováquia, por revoltas estudantis e diversos outros atos.

No entanto, um evento aproxima as duas datas: os Jogos Olímpicos. Os jogos de 68, realizados no México, não poderiam deixar de refletir essa atmosfera pesada que cercava o mundo.

Pela primeira vez atletas da Alemanha Oriental puderam disputar as Olimpíadas defendendo a sua própria equipe. No entanto, o bloco socialista acabou sendo alvo de inúmeras contestações de medalhas, sempre com a alegação do uso de doping.

Os jogos também foram marcados pelo preconceito racial, tendo como principal exemplo a delegação norte-americana, que foi dividida em duas: brancos e negros. O ex-atleta e sociólogo, Harry Edwards, chegou a ameaçar um boicote ao evento, o que acabou não acontecendo. No entanto, Tommie Smith e John Carlos, que conquistaram respectivamente as medalhas de ouro e bronze, nos 200 metros rasos, subiram ao pódio com luvas pretas e levantaram o punho esquerdo fazendo a saudação ao movimento negro, conhecido como panteras negras. Para completar, abaixaram a cabeça no momento do hino nacional dos Estados Unidos. Este ato foi transmitido ao vivo para todo o mundo. Ambos acabaram sendo expulsos das Olimpíadas e tiveram suas medalhas tomadas. Outros atletas negros chegaram a aderir ao movimento, mas de forma mais discreta.


Neste ano, 2008, as Olimpíadas serão realizadas na China. A escolha gerou protestos em todo o mundo devido ao péssimo histórico chinês em relação aos Direitos Humanos. O trajeto da tocha foi marcado por protestos em quase todo o mundo devido à dominação chinesa no Tibet. Em Paris, a chama olímpica chegou a ser apagada.


O COI, Comitê Olímpico Internacional, emitiu uma nota proibindo qualquer manifestação dos competidores durante os Jogos. O comitê se baseia na regra 51.3 do capítulo que versa sobre as Olimpíadas, onde é dito que "nenhum tipo de demonstração de propaganda política, religiosa ou racial é permitida em qualquer local, sede ou outras áreas ligadas às Olimpíadas". O COI diz que a decisão não se trata de uma censura, reforçando que os jogos são “um grande festival esportivo e não um espaço para diferentes tipos de manifestações políticas sobre conflitos armados, diferenças regionais, disputas religiosas e muitos outros".

O jornalista esportivo Diego do Carmo, do canal pago SporTv, fala sobre a proibição do COI:

“O comitê sabia, desde o principio, que a sociedade em geral criaria problemas em relação à China. Nada é feito em vão ou sem um motivo, e esses motivos nem sempre ficam claros. Mas nesse caso, é quase óbvia a verdadeira razão para a escolha do país como sede dos jogos olímpicos. A China é o país mais populoso do mundo, e essa população é vista como um imenso mercado de consumo, que só tende a crescer cada dia mais.

Eu estive na China há um ano atrás e pude me interar bastante sobre este país que, na verdade, é tão desconhecido. Eles crescem tanto todos os anos que existe um programa de desaceleração do crescimento. Normalmente, eles atingem mais de 10% ao ano, e agora estão tentando chegar apenas aos 8%. Isso porque mais da metade da população vive no campo. Os jovens de lá só pensam em comprar. Na realidade, a China é um dos países mais consumistas que eu já vi. Só que as coisas são baratas, né? Também quase tudo é feito lá.

Então, a gente pára para pensar e entende os reais interesses. Mesmo que o COI não seja diretamente ligado aos mercados financeiros, recebe ajuda dos EUA aqui, de países europeus ali... Ter um bom relacionamento com a China é fundamental. Ainda mais que eles vêem as Olimpíadas como a principal forma de mostrar ao mundo que eles não são mais aquele país antigo, que vive de suas tradições, e sim o país do futuro.

Portanto, é mais do que normal que o COI não aceite nenhum tipo de manifestação. O encurtamento do trajeto da tocha olímpica é mais uma prova disso. O mundo já pôde ver, em 1968, o constrangimento que protestos feitos por atletas durante provas ou no pódio podem causar. Na realidade, o Comitê Olímpico Internacional tem medo que se repita em 2008 o que aconteceu em 1968.”

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