quinta-feira, 29 de maio de 2008

Os 40 anos de 1968

Por Mariana Schneiderman (Editoria de Política)

Esquecer 1968, o ano que fez tremer o mundo inteiro, é uma tarefa, no mínimo, difícil. Estudantes esquentaram e ferveram a cidade luz, a Alemanha, Brasil. E uma das trilhas sonoras da época, que ecoavam nos ouvidos de todos, o famoso álbum dos Beatles, Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band, mudou a história da música.

Esse ano, o conhecido e velho 68 virou “quarentão”. Quatro décadas de história e de muitas histórias ocorridas até os dias de hoje. Os temores e aflições deram lugar a outros, criaram-se novas religiões, as drogas, antes sinônimos de liberdade e paz, agora dão lugar ao crime, o planeta sofre com o aquecimento global, nossos ideais se transformaram em outros e a nossa realidade não dá asas a imaginação.Tudo isso sem se quer, nos darmos conta.

Integrado a globalização acelerada, até as paisagens viraram do avesso: Cidades brasileiras viraram metrópoles, o tráfico de drogas ocupa bairros e favelas e a segurança do país está completamente do avesso.A política virou palhaçada, sinônimo de papo tedioso e bem conhecido pelos golpes e pela sujeira.Mesmo com esse futuro, que acredito, que ninguém imaginou que seria assim, o ano de 1968 preserva seu charme e sonhos que cada um teve um dia.

Vendo na retrospectiva, 68 mistura nostalgias e contradições. No nosso país, que vivia sob uma forte ditadura militar, que derrubou presidente, cassou políticos, condenou intelectuais ao exílio, torturou e matou opositores. Havia também disputa pelo excelente ensino público nas escolas, os celulares nem eram artigo de luxo. A televisão era aclamada por poucos e a porcentagem de universitários era bem pequena, e obviamente para a elite.

No Brasil e pelo resto do planeta, Che Guevara era um mito.O revolucionário, sinônimo de rebelião e coragem, virou um ícone pop. Curiosamente, embora a associação dos anos 60 aos protestos estudantis, as principais mudanças ocorreram fora das ruas, e sim dentro de casa, nos valores.

Quatro décadas depois de 68, o poder se tornou enigmático. 2008 mostra uma sociedade pulverizada, sem sonhos por um mundo melhor, sem união, sem força juvenil. Voltando aos Beatles, o sonho acabou, se foi, mas a ganância, não.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Protestos na arte

Por Tatiana Arruda (Editoria de Literatura)

Mesmo passados 40 anos a sensação é de que o ano de 1968 não acabou. Realmente, enquanto a memória dos acontecimentos daquela época estiver viva, ela não será esquecida. Os protestos contra a ditadura uniram uma geração em torno de um ideal comum. A euforia e o idealismo do movimento estudantil tomaram conta das ruas e desafiou os militares. As artes plásticas, a música e a literatura criaram movimentos de contracultura. A poesia do “desbunde” e poesia marginal são exemplos da expressão literária daquela época.
A liberdade artística estava por um fio, mas ainda existia. Os poetas do “desbunde” publicavam seus textos em revistas alternativas e jornais como o “Pasquim”. O grupo formado pelos intelectuais Henfil, Paulo Francis, Ruy Castro, Ziraldo e tendo como colaboradores Chico Buarque e Rubem Fonseca imprimiam um tom irônico a poesias que criticavam a opressão.
Na Academia Brasileira de Letras, João Cabral de Melo Neto é eleito para a vaga de Assis Chateaubriand. Carlos Drumonnd de Andrade publica "Boitempo & A falta que ama". Já Ferreira Gullar, escreve um poema sobre a Guerra do Vietnã, “Por você, por mim”, e o texto da peça “Dr. Getúlio, sua vida e sua glória”, uma parceria com Dias Gomes. Após o decreto do AI-5, em dezembro de 68, ele é preso junto com Paulo Francis, Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Com o Ato Institucional nº. 5 os militares começaram a censurar com rigor a produção artística. A resistência cultural veio em forma de mimeógrafo e fotocópias. Os poetas, ditos marginais ou geração mimeógrafo, distribuíam suas obras de mão em mão, em bares, nas portas de teatros, praças, tudo para assegurar que elas chegassem ao seu público. Um panorama deste movimento pode ser encontrado no livro “26 poetas hoje”, da pesquisadora Heloísa Buarque de Hollanda. Entre os poetas desse movimento estão Chacal, Flávio Aguiar, Roberto Piva e Ana Cristina César.

Por você por mim
Ferreira Gullar – Toda Poesia (1950/1980)

A noite, a noite, que se passa? diz
que se passa, esta serpente vasta em convulsão, esta
pantera lilás, de carne
lilás, a noite, esta usina
no ventre da florest
a, no vale,
sob os lençóis de lama e acetileno, a aurora,
o relógio da aurora, batendo, batendo,
quebrado entre cabelos, entre músculos mortos, na podridão
a boca destroçada já não diz a esperança,
batend
o
Ah, como é difícil amanhecer em Thua Thien.
Mas amanhece.

Que se passa em Huê? em Da Nang? No Delta
do Mekong? T
e pergunto,
nesta manhã de abril no Rio de Janeiro,
te pergunto,
que se passa no Vietnam?

As águas explodem como granadas, os arrozais
se queimam em fósforo e sangue
entre fuzis

as crianças
fogem dos jardins onde
açucenas pulsam
como bombas-relógio, os jasmineiros
soltam gases
, a máquina
da primavera
danificada
não consegue sorrir.

Há mortos demais no regaço de Mac Hoa.
Há mortos demais
nos campos de arroz, sob os pinheiros,
às margens dos caminhos qu
e conduzem a Camau.

O Vietnam agora é uma vasta oficina da morte, nos campos
da morte, o motor
da vida gira ao contrário, não
para sustentar a cor da íris,

a tessitura da carne, gira
ao contrário, a desfazer a vida,
o maravilhoso aparelho
do corpo, gira
ao contrário das constelações, a vida
ao contrári
o, dentro
de blusas, de calças, dentro
de rudes sapatos feitos de pano e palha, gira
ao contrário a vida feita de morte.
Surdo
sistema de álcool, gira
gira, apaga rostos, m
ãos,
esta mão jovem
que saiba ajudar o arroz, tecer a palha. Há mortos
demais, há mortes
demais, coisas da infância, a hortelã, os sustos
do amor, aquela tarde aquela tarde clara, amada,
aquela tarde clara tud
o
tudo se dissolve nas águas marrons
e entre nenúfares e limos
a correnteza arrasta para o mar o mar o mar azul

É dia feito em Botafogo.
Homens de pasta, paletó, camisa limpa,
dirigem-se para o trabalho.
Mulheres voltam da feira, as bolsas cheias de legumes.
Crianças passam para o colégio.
As nuvens nuvem
e as águas batem naturalmente
em toda a orla marítima.
Nenhuma ameaça pesa so
bre a cidade.
As pessoas
marcaram encontros, irão ao cinema, à buate, se amarão
nas praias
na cama
nos carros. As
pessoas
acertam negócios, marcam viagens, férias.
Nenhuma ameaça
pesa sobre a cidade.
Os barulhos apitos sem alarma. O avião no céu
vai para São Paulo.
O avião no céu não é um Thunderchief da USAF
que chega traze
ndo a morte
como em Hanói.
Não é um Thunderchief da USAF que chega
seguido de outros
e outros
da USAF
carregados de bombas e foguetes
como em Hanói
que chega lançando bombas e foguetes
como em Hanói

como em
Haiphong
incendiando o porto
destruindo as centrais elétricas
as estradas de ferro
como em Hanói
como em Hoa Bac
queimando crianças com napalm
como em Hanói
como em
Chien Tien
como em Don Hoi

como em Tai Minh
como em Vihn Than
como em Hanói
Como pode uma cidade, como pode
uma cidade
resistir

Os americanos estão agora investindo muito no Vietnam
O Vietnam agora nada em ouro
e fogo
Bases aéreas
Arsenais
Depósitos de combustíveis
Laboratórios na rocha
Radar

Foguetes
A ciência eletrônica invade a selva
gases novos, armas novas
O lazy-dog

lança em todas as direções mil flechas de aço
o bull-pup
procura o alvo com seus 20
0 quilos de explosivos
o olho-de-serpente
pousa sobre uma casa e esp
era a hora certa de matar
O Vietnam agora está cheio de arame farpado
de homens louros
farpados
armados
vigiados
cerca
dos
assustados
está cheio de jovens homens louros
e cadáveres
jovens
de homens louros
enganados

Próximo à base de Da Nang
que tudo escuta e tudo vê,
próximo à base de Da Nang, esgueira-se
entre árvores um homem,
próximo à base cheia de soldados,
metralhadora
s, bombas,
aviões, cheia
de ouvidos e de olhos
eletrônicos, um homem, chamado Tram,
entre as folhas e os troncos que cheiram a noite,
cauteloso s
e move
entre as folhas da noite, Tram Van Dam,
cauteloso se move
entre as flores da morte
Tram Van Dam

quinze anos se move
entre as águas da noite
dentro
da lama
onde bate a aurora
Tram Van Dam
onde bate a aurora
Tram Van Dam
com a sua granada
entre cercas de arame

entre as minas no chão
Tram Van Dam
com seu cor
ação
Tram Van Dam
onde bate a aurora
por você por mim
sob o fogo inimigo
com o grampo no dente
com o braço no ar
por você por mim

Tram Van
Dam
onde bate a aurora
por você por mim
no Vietn
am



Carlos Drummond de Andrade

A falta que ama

Entre areia, sol e grama
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém
que não há.
Está coberto de terra,
forrado de esquecimento.
Onde a vista mais se aferra,
a dália é toda cimento.
A transparência da hora
corrói ângulos obscuros:
cantiga que não implora
nem ri, patina
ndo muros.
Já nem se escuta a poeira
que o gesto espalha no chão.
A vida conta-se inteira,
em letras de conclusão.
Por que é que revoa à toa
o pensamento, na luz?
E por que nunca se escoa
o tempo, chaga sem pus?
O inseto petrificado
na concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura
energia.
No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É falta ou ele que sente
o sonho do verbo amar?


Poesia Marginal - Poesias retiradas do livro “26 poetas hoje”

Manhã de frio
Isabel Câmara

Trata-se de uma certa dama
que acorda aflita pelo dia
observando da janela do seu
Disco-Voador
o cinza que se irradia
desde a música —
Romântica e Alemã
até a cor fria da Dor.


Aquela Tarde
Chico Alvim

Disseram-me que ele morreu na véspera.
Fora preso, torturado. Morreu no Hospital do Exército
O enterro seria naquela tarde.
(Um padre escolheu um lugar de tribuno.
Parecia que ia falar. Não falou.
A mãe e a irmã choravam.)

Teatro Novo

Por Luísa Pitta (Editoria de Teatro)

No dia oito de junho de 1968 acompanhou-se a inauguração do Teatro Novo, que antes era particular e foi construído por iniciativa de seu proprietário, o português João de Oliveira. Com sua morte, o “República” – como antes era chamado - passou para seu filho, o herdeiro Eduardo de Oliveira. Vários empresários por ele passaram, sendo o último deles, Abraão de Medina quem decide entregar a casa ao Ministério da Educação e Cultura - MEC em troca do acerto de uma dívida. Uma sociedade particular arrenda o “República” que passa então a se chamar Teatro Novo, em 1968.

Considerada uma casa moderna para a época teve em seu convite de inauguração a seguinte descrição do local: “... possui 1.030 lugares, acústica planificada, ar condicionado integral em instalação, comando de som e luz totalmente eletrônico, livraria, bar, biblioteca e loja de discos.”

É inaugurado com a Orquestra Sinfônica Brasileira dirigida pelo maestro Isaac Karabitchewiski e a pianista Magdalena Tagliaferro.

O Teatro Novo, situado na Rua Gomes Freire, funcionou até 1971 quando foi reformado para abrigar a TV-E (TV-Educativa). Foi construído um complexo arquitetônico onde funciona o Centro Nacional de Produção de Televisão Educativa, oferecendo múltiplas atividades de trabalho para artistas e técnicos teatrais. Segundo informações do Professor Gilson Amado, então Presidente da Fundação Brasileira de TV-Educativa, todo o equipamento encontrado no Teatro Novo, tais como refletores, cortinas, cadeiras, equipamentos elétricos etc. foi doado pela Fundação a entidades teatrais públicas e particulares.

Uma certa primavera

Por Elizabeth Reis (Editoria de Política)

O secretário geral do partido comunista tchecoslovaco empreendeu profunda reforma política no país, com o intuito de remover o autoritarismo e o despotismo, considerados, por ele, como aberrações socialismo.

Dubcek anunciou ao povo da Tchecoslováquia um ousado programa de ação, que prometia efetiva federalização do país; reforma constitucional; garantia de direitos civis, dentre os quais a liberdade de imprensa; e o fim do unipartidarismo, bem como a reabilitação de todos aqueles até então perseguidos pelo regime. O governo seria controlado por uma Assembléia Nacional, plural e multipartidária e não mais exclusivamente pelo Partido Comunista.

A tentativa ímpar, do lado oriental da cortina de ferro de fazer coexistirem a planificação econômica e a liberdade democrática, chamada por Dubcek de “Socialismo de face humana” lançada em 5 de abril de 1968 foi sufocada pela invasão de Praga por tanques do Pacto de Varsóvia em agosto do mesmo ano.

As tropas invasoras ocuparam rapidamente o país, despreparado para a ofensiva e pego de surpresa. O povo tchecoslovaco não se deixou subjugar facilmente. A resistência pacífica foi coordenada através da Rádio Tchecoslováquia Livre. Placas de trânsito tiveram suas orientações mudadas, boatos de envenenamento de água encanada foram espalhados e muros foram grafitados comparando a invasão de Praga com a intromissão americana no Vietnã.

Diante de ameaças de um massacre contra o povo, Dubcek assinou o acordo de renúncia, o que esmoreceu a resistência popular, pôs fim às muitas conquistas daquela primavera e por mais 20 anos os anseios de liberdade de tchecos e de eslovacos.

Campeões de futebol em 1968

Por Marcelo Cosentino (Editoria de Esportes)

Olimpíadas

Ouro: Hungria
Prata: Bulgária
Bronze: Japão

*Brasil 10º colocado. (local: Cidade do México)


Copa Libertadores

Campeão: Estudiantes LP (Arg) Vice-Campeão: Palmeiras (Bra)


Taça Brasil (equivalente ao Campeonato Brasileiro)

Campeão: Botafogo(RJ)
Vice-campeão: Fortaleza (CE)
Terceiro: Cruzeiro (MG)
Quarto: Náutico (PE)

Artilheiro: Ferreti (Botafogo): 7 gols.

*Vencedor da Taça Brasil, o Botafogo tinha o direito de participar da Libertadores do ano seguinte. Porém o clube boicotou o campeonato sob pretexto de ser contra a violência aplicada pelos outros times. Na ocasião os outros clubes brasileiros aderiram ao boicote.


Troféu Triangular de Caracas

Campeão: Botafogo (Bra)
Vice-campeão: Seleção Argentina
Terceiro: Benfica (Por)


Estaduais:

Rio de Janeiro campeão: Botafogo vice: Vasco da Gama
Minas Gerais campeão: Cruzeiro vice: Atlético
São Paulo campeão: Santos vice: Corinthians
R. Grande do Sul campeão: Grêmio vice: Internacional
Pernambucano campeão: Náutico vice: Sport
Rio G. do Norte campeão: Alecrim vice: ABC
Santa Catarina campeão: Comerciário vice: Caxias
Goiás campeão: Goiânia vice: Atlético
Maranhão campeão: Moto Club vice: Sampaio Corrêa
Paraná campeão: Coritiba
Bahia campeão: Galícia
Pará campeão: Remo
Amazonas campeão: Nacional
Acre campeão: Atlético Acreano
Espírito Santo campeão: Rio Branco AC
Paraíba campeão: Botafogo PB
Sergipe campeão: Confiança
Alagoas campeão: CSA
Mato Grosso campeão: C. E. Operário
Ceará campeão: Ferroviário Atlético Clube
Piauí campeão: Piauí
Amapá campeão: Santana

Censura durante o regime militar

Por Percy Rodrigues (Editoria de Política)

A censura no Brasil, que perdurou, praticamente, em todo o período posterior à colonização do país, seja ela cultural ou política, pontificou durante os governos militares, culminando com a decretação do AI-5 em 13 de dezembro desse ano.

“A história do ano termina aqui. Na verdade, era apenas o começo. 1968 entrava para a história, senão como exemplo, pelo menos como lição”.

Após a promulgação do AI-5, todo e qualquer veículo de comunicação deveria ter sua pauta previamente aprovada e sujeita ‘a inspeção local por agentes autorizados. Em razão disso, muitas matérias foram censuradas.

As equipes de jornalistas acuadas, na impossibilidade de publicar esclarecimentos a respeito, deixavam páginas inteiras em branco, algumas preenchiam os espaços censurados com receitas culinárias que não resultavam no alimento proposto por elas.

Além de protestar contra a falta de liberdade de imprensa, jornalistas tentavam fazer com que a população passasse a perceber torturas e mortes por motivos políticos, desconhecidas pela maioria.

A violência do Estado era notada nos confrontos policiais e pelo desaparecimento de pessoas conhecidas.

Fonte: wikipedia/Ventura/Zuenir.

domingo, 25 de maio de 2008

1968. O ano dos outros

Este texto foi feito pelo professor Ivan Cavalcanti Proença para o blog do Jornal Laboratório da FACHA.

EXCLUSIVO

Se alguém considera que a juventude devia revoltar-se, bradar, espernear, incendiar, depredar, em nome de uma bandeira de luta por liberdade de droga, de sexo e, colonizadamente (no caso), de Rock and roll... Bom proveito. Se alguém considera que aquela juventude européia, revoltadíssima pelas ruas de Paris e às margens do Sena, representava os jovens do resto do mundo... Bom proveito.

Se alguém considera que a chamada contra-cultura (qual alternativa se instaurou de fato?) devia substituir, institucionalmente, outra forma de Cultura... Bom proveito.

Se você acha que aquela juventude cosmopolita, de capitais européias – com boas Universidades, sem problemas de séria natureza existencial como a necessidade de trabalhar ganhando miséria, para poder estudar e “ajudar em casa” (se conseguir) – devia mesmo ser rebelde (ó palavrinha feia, “fabricada”, global”)... Bom proveito.

Se você não raciocina sobre o que, afinal, resultou da ânsia de liberdade no uso de drogas e no “uso” de sexo... Bom proveito.

Se você não observou que a nossa Grande Imprensa alardeia 68, ouvindo intelectuais e artistas que (alguns) “por tabela” vacilaram, à época, aderindo àquelas bandeiras e ou publicaram e publicam livros-loas ao Ano... Bom proveito.

Se você não se importa com a alienação resultante disso tudo, quando hoje a exaltação a 68 faz com que jovens até julguem que o Golpe de fato ocorreu em 68, ignorando as barbaridades de 64 (e ao longo dos 20 anos), ignorando que 68 e AI-5 foram recrudescimento de tudo que já ocorrera em 64 e se prolongaria... Bom proveito.

Mas, por favor:

Não comparem a juventude brasileira da época àquela outra parisiense et caverna. Não coloquem tudo no mesmo saco, envolvendo nossos jovens que enfrentavam uma Ditadura impiedosa e violenta, atuando, aqueles moços, nos aparelhos, nas facções armadas, nas Faculdades, em toda parte, nas capitais e interior (a seguir nas guerrilhas não-urbanas). Maldade e injustiça histórica o que se faz. Nossa juventude ousava sim, mas através de outro tipo de underground, e de contra-cultura. Isto é, contra a cultura ditatorial e não raro assassina. Tudo diferente.

Cultivem o período e tudo mais, à vontade. Podem até, aburguesar-se como queiram, através de consumismos vários e rebeldias “sócio-culturais” – afinal, democracia é isso também.

Mas esqueçam a imagem daqueles jovens corajosos e dignos dos anos 60 e 70. Deixem conosco. A gente os lembrará. Para sempre.

O Bandido da Luz Vermelha: um filme selvagem e intuitivo

Por Isabela Kastrup

Na safra dos filmes brasileiros produzidos no ano de 1968, O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, se destaca como ousadamente experimental. O diretor tinha apenas 22 anos quando realizou o filme, que entrou para a história como o maior representante do chamado cinema marginal brasileiro – rótulo dado às obras dos cineastas oriundos da Boca do Lixo de São Paulo (mais tarde esse tipo de cinema também passou a ser chamado de udigrudi – corruptela do “underground” norte-americano).

No mesmo ano em que foi produzido, O Bandido da Luz vermelha conquistou quatro prêmios no Festival de Brasília: melhor direção, melhor montagem, melhor figurino e melhor filme.

O enredo, de gênero policial, é uma livre adaptação de fatos verídicos: as peripécias do bandido João Acácio Pereira da Costa, que assaltou diversas residências de pessoas ricas em São Paulo. O ladrão, interpretado no cinema por Paulo Vilaça, sempre utilizava uma lanterna vermelha (daí o apelido que ganhou da imprensa e que deu origem ao título do filme). Seu estilo desconcertava a polícia, já que seus métodos de ação eram criativos e inusitados. Além disso, João Acácio fazia questão de manter relações sexuais com as mulheres que roubava, com as quais tinha longas conversas.Sganzerla transformou a história do bandido numa metáfora das mazelas da sociedade brasileira da época. Os personagens são emblemáticos: o delegado Cabeção, interpretado por Luis Linhares, é homem que vive e sobrevive da morte; J.B. da Silva (Pagano Sobrinho) é a encarnação caricata do político corrupto, líder da organização “Mão Negra”, que tem como um de seus integrantes Martin Bormann, um carrasco nazista foragido da Segunda Guerra Mundial vivendo clandestinamente na América Latina; o afilhado do político, Lucho Gatica (Roberto Luna), é um misto de brigão e puxa-saco sem vergonha na cara; a prostituta Janete Jane (Helena Inês) nos leva ao íntimo do bandido. Ao se apaixonar por ela, ele se fragiliza e quebra a rotina de sua vida de crimes: acaba cometendo os descuidos que o conduzem ao suicídio final.

As influências de outros grandes cineastas são visíveis: para começar, há referências ao Cidadão Kane, de Orson Welles, que também utiliza a linguagem da imprensa para narrar a biografia do personagem principal. Só que a imprensa do filme de Sganzerla não é o cinejornal que mostra a vida de Kane de forma épica, mas um dos nossos debochados programas de rádio popular e sensacionalista, do tipo A Cidade contra o Crime.

O final do filme de Sganzerla lembra Pierrot Le Fou, de Godard, filme em que o personagem vivido por Jean Paul Belmondo, um jovem que transgride a lei sem parar, se suicida amarrando dinamite em volta da cabeça. Percebendo que vai ser preso, o bandido do filme de Sganzerla decide se matar. Antes de chegar ao local onde pretende se suicidar, ele finge ter sido atingido por uma bala policial no ombro, e sai cambaleando às gargalhadas. Assim, ironiza a incompetência da polícia, que não conseguiu prendê-lo. Depois envolve a cabeça e o torso com fios elétricos e, pisando numa grande chave elétrica (que metaforicamente funciona num monte de lixo na favela), morre eletrocutado. O cadáver é descoberto por policiais displicentes que chamam o delegado Cabeção – embora todos achem que aquele indivíduo morto não pode ser o famoso bandido da luz vermelha. O delegado, ao chegar, está desatento e pisa na mesma chave elétrica. Morre abraçado ao bandido, os dois como frutos podres da mesma árvore, do mesmo sistema social, falido e corrupto. Ao morrer, o delegado balbucia comicamente a palavra "Mamãe!".

Um disco voador aparece na imprensa, para desviar a atenção do povo do significado da morte do bandido e das finalidades da organização “Mão Negra”.

Para a pesquisadora Roberta Canuto, que fez desse filme de Sganzerla o principal objeto de estudo da sua dissertação de mestrado para a Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, a obra do cineasta é uma “síntese experimental do pensamento de seu criador”. Na visão de Roberta, Sganzerla realizou “uma obra ao mesmo tempo selvagem e intuitiva, mas repleta de um arsenal teórico e crítico cultivado ao longo de toda uma vida dedicada ao cinema”. A pesquisadora chegou à essa conclusão porque Sganzerla também foi crítico de cinema, e por isso pôde realizar essa “obra-síntese, um filme-laboratório da sua brilhante trajetória na crítica e reflexão cinematográfica, justamente esse território insólito que habita entre o pensar e o fazer que essa pesquisa parece trilhar”.

O fato é que Rogério Sganzerla inaugurou uma segunda vertente do cinema brasileiro no tempo dos anos de chumbo da ditadura militar. De um lado, estavam os cineastas de linha marxista, comprometidos com os ideais políticos do CPC – Centro Popular de Cultura, que fizeram filmes sobre a miséria e a luta de classes. Fazendo contraponto a esses, Rogério Sganzerla e o carioca Júlio Bressane preferiram os ideais libertários da vanguarda, preservando outra tradição da arte e da cultura brasileira: a ironia e o deboche, que encontram ressonâncias na obra de Oswald de Andrade e sua inesquecível selvageria antropofágica.

Cartaz do filme

Paulo Vilaça (como o Bandido da Luz Vermelha) e Helena Inês, encarnando a prostituta Janete Jane

1968 e suas flores

Por Maria Aparecida dos Santos (Editoria de Música)

Nas várias manifestações de repúdio a ditadura militar de 1968, as pessoas saíam às ruas entoando canções de protesto. Dentre toda esta música de Geraldo Vandré tornou-se um verdadeiro hino, sendo considerada até hoje um grande marco no cenário musical do Brasil.

Seus versos mesclam as várias faces da sociedade naquele ano tão conturbado. De uma forma sutil o cantor e compositor narra as dores e sofrimentos enfrentados pelas pessoas naquela época, ao mesmo tempo em que de uma forma velada, sugere uma reação por parte do povo contra o regime.

Eis aí, na íntegra, a letra desta pungente canção:

Prá não dizer que não falei de flores

Composição: Geraldo Vandré

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Somos todos iguais

Braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas

Campos, construções

Caminhando e cantando

E seguindo a canção...


Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer...(2x)

Pelos campos há fome

Em grandes plantações

Pelas ruas marchando

Indecisos cordões

Ainda fazem da flor

Seu mais forte refrão

E acreditam nas flores

Vencendo o canhão...


Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer...(2x)

Há soldados armados

Amados ou não

Quase todos perdidos

De armas na mão

Nos quartéis lhes ensinam

Uma antiga lição:

De morrer pela pátria

E viver sem razão...

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer...(2x)


Nas escolas, nas ruas

Campos, construções

Somos todos soldados

Armados ou não

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Somos todos iguais

Braços dados ou não...


Os amores na mente

As flores no chão

A certeza na frente

A história na mão

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Aprendendo e ensinando

Uma nova lição...

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer...(4x)

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Cinema Marginal – 1968/1973

Por Taissa Saldanha (Editoria de Cinema)

O cinema marginal teve a intenção de retratar a situação cultural e social do país que vivia sob influência do Cinema Novo. Histórias em quadrinhos, transmissões radiofônicas, imprensa popular e o tropicalismo foram deixados para trás e dava vez para a forma tosca e debochada do chamado Cinema Marginal.

Os criadores tinham total liberdade para fazer filmes, por essa razão também que esse período ficou conhecido como Boca de Lixo. Na maioria das vezes, os filmes tentavam alcançar o público de maneira mais direta aproveitando-se de dois momentos importantes: a situação do país e a má fase do cinema norte americano. Tudo era muito bem retratado, da forma mais verdadeira (mesmo que debochada).

A fonte de inspiração foi o filme “A Margem”, 1967, de Ozualdo Candeias. Um filme grotesco, irônico que definiu os moldes do que, futuramente, chamaria “Cinema Marginal”. Ozualdo já havia trabalhado com uma figura muito conhecida em seu estilo de filmar, José Mojica, ou Zé do Caixão. Até hoje lembrado por ser um cineasta bizarro. Ozualdo também filmou “Meu nome é Tonho” e “A Herança”.

Foi no ano de 1968 que o Cinema Marginal ganhou forças e com isso muitos filmes foram feitos, mas nem todos entraram em cartaz devido à censura dos militares. Porém, um filme conseguiu um grande público, chegando a bater recordes nacionais. Falo de “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla, considerado um divisor de águas, um marco no cinema brasileiro.

Ao contrário do Cinema Novo, onde os europeus eram idolatrados, no Cinema Marginal a figura é outra. Cineastas americanos eram exaltados como os melhores, entre eles: Fuller, Welles e Hitchcock.

A estética do lixo era, segundo autores, “o estilo mais apropriado para um país do terceiro mundo, na medida em que possibilita a transformação das sobras de um sistema internacional dominado pelo monopólio capitalista do primeiro mundo”.

No Rio o principal nome foi de Júlio Bressane, figura central no marginal carioca que até os dias de hoje continua fazendo grandes filmes. Além de “O Anjo Nasceu”, fez “Barão Olavo”, “O Horrível”, “Crazy Love”, ‘Cuidado Madame”, “A Fada do Oriente”, “A Família do Barulho”, “Lágrima Pantera”, “Memórias de um Estrangulador de Loiras”, “O Rei do Baralho” e o pretensioso “Matou a Família e foi ao Cinema”, todos durante os anos de 1969/1973. Outro destaque carioca é Elyseu Visconti seus principais filmes são “Os Monstros de Babaloo” e “O Lobisomem, o Terror da Meia-Noite”.

Pôster de “A Herança”:


Pôster de “Matou a família e foi ao Cinema”:

terça-feira, 20 de maio de 2008

1968 o ano que não terminou?

Por Mariana Schneiderman (Editoria de Política)

Hoje, 40 anos depois, os sonhos e decepções de uma geração inteira que acreditou nas mudanças culturais e políticas ainda permanecem inesquecidas.

Como diz o jornalista e escritor Zuenir Ventura, o ano de 1968 terminou ou não terminou? O fato é que a esperança vivida naquela época ficou no tempo, como lembrança de um ano que começou cheio de esperanças e promessas, mas que não se completaram. Essa pergunta, que abre o livro de Zuenir, não pacifica. Faz-nos questionar o mundo em que vivemos hoje, que aponta a despolitização e o individualismo.
Politicamente, o ano de 68 não fez o que gostaria de ter feito, mas transformou toda a geração que se seguiu. Para a geração que viveu, foi pouco, já que a ambição de transformar as pessoas, o país, o mundo de uma hora para outra era enorme.
Esse ano pode ser visto para muitos como uma derrota. Mas será que foi?
A história deve ser vista em curto prazo. Devemos lembrar da geração de jovens brasileiros que lutou, desafiou poderes, foi presa e censurada e perdeu anos de sua juventude em busca de um sonho. Ao olhar para frente, também podemos ver que sobre esse período ficou a democracia e não mais a ditadura.
Mas hoje, qual modelo de política em que podemos nos espelhar?
Hoje o que vemos são jovens anestesiados pela falta de projetos coletivos, empurrados pela mídia e pela propaganda trocando a ética pela estética e nos leva a outras perguntas: O que fizemos de nós? O que faremos daqui pra frente?

Teatro 1968 por José Celso Martinez

Por Susana Marques (Editoria de Teatro)

Falar de teatro é mais que um laboratório de pesquisa, é uma viagem de emoções, reflexões, especialmente de 1968, este é de fato um balaio de histórias e muitas curiosidades.

Fatos, emoções, grandes revelações, mas, falar deste gênero é pesquisar sobre figuras que revolucionarão a época. Comecemos então a história e trajetória de um grande teatrólogo, ator; José Celso Martinez Corrêa.

José Celso Martinez Corrêa, nascido em Araraquara em 1937, Diretor, autor e ator. Destacou-se como encenador em 1960, muito inquieto, irreverente, líder do Teatro Oficina, uma das companhias mais conectadas do seu tempo. Encenou espetáculos considerados antológicos, tais como: Pequenos Burgueses, O Rei da Vela, e na Selva das Cidades. Nos anos 1970 vivência todas as experiências da contracultura, transformando-se em líder de uma comunidade teatral e das montagens de suas criações coletivas. Estudou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, USP, e participou do centro acadêmico XI de Agosto, integrando o núcleo de estudantes que funda o Oficina, grupo de teatro amador, seus primeiros textos, Vento Forte para Papagaio Subir, 1958, e A Incubadeira, 1959, ambos autobiográficos, são montados pela equipe sob a direção de Amir Haddad.

Em 1968, num momento incendiário do teatro, e crítico dos embates entre a categoria e o regime, Zé Celso dirige Roda Viva, de Chico Buarque, no Rio de Janeiro, sua primeira experiência fora do Oficina. Tomando o ingênuo texto de Chico Buarque em torno da vida de um ídolo da canção popular que é manipulado pela imprensa e indústria fonográfica, o encenador utiliza um ritual raivoso e provocador, no qual os atores vãos à platéia incitá-la fisicamente. Considerada emblemática do “teatro agressivo” pelo crítico Anatol Rosenfeld, a montagem reflete um momento que o teatro assume um tom violento, de confronto, de cobrança de atitudes frente à situação sóciopolítico.

Na mesma época, o Oficina já tinha levado outro sucesso aos palcos: Roda viva, primeira peça de Chico Buarque de Hollanda. O espetáculo marcava a radicalização das concepções cênicas de Zé Celso e criticava ferrenhamente a alienação da sociedade brasileira, através da destruição e da agressão dos mitos criados pela cultura de massas. A crítica começou a condenar a violência do espetáculo, porém a peça foi literalmente um "estouro" de bilheteria. Na noite de 18 de junho de 1968, em São Paulo, os atores do espetáculo foram agredidos pelas autoridades, que condenavam o seu "tom subversivo". Ao contrário do que todos imaginavam, o episódio ainda rendeu mais sucesso a Roda viva. No entanto, o episódio se repetiu na temporada de Porto Alegre e a censura finalmente decidiu censurar Roda viva e O rei da vela, em meados de 1968, desta vez, para nenhuma surpresa de todos.

Em junho de 1968, estreava nos palcos do Oficina O poder negro (do americano Leroy Jones), com a direção de Fernando Peixoto, colaborador e braço-direito de Zé Celso. A peça criticava o racismo e a violência das relações entre brancos e negros. A partir daquele momento, o Oficina passou a procurar um texto que retratasse o momento que eles atravessavam, em dezembro de 1968, Galileu Galilei, de Bertolt Brecht estreava nos palcos, com sucesso absoluto de público. A critica mais uma vez se dividiu.

O espetáculo seguinte do grupo, Na selva das cidades (outro texto de Brecht), levado aos palcos em 1969, marcou uma encenação mais ligada ao método de Grotowski e uma crise interna do Oficina. Fernando Peixoto decidiu montar, no mesmo ano, Dom Juan (de Molière), com Gianfrancesco Guarnieri no papel-título. Durante a temporada, o Living Theatre (grupo teatral americano de vanguarda que era liderado por Julien Beck e Judith Malina) chegava ao Brasil para se apresentar através de um convite informal que Zé Celso e Renato Borghi tinha feito ao grupo. O contato entre o Living e o Oficina foi desastroso.

Biografia José Celso Martinez Corrêa (Araraquara SP 1937). Diretor, autor e ator. Destacado encenador da década de 60, inquieto e irreverente, líder do Teatro Oficina, uma das companhias mais conectadas com o seu tempo. Encena espetáculos considerados antológicos, tais como Pequenos Burgueses; O Rei da Vela; e Na Selva das Cidades. Nos anos 1970, vivencia todas as experiências da contracultura, transformando-se em líder de uma comunidade teatral e das montagens de suas criações coletivas. Estuda na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, USP, e participa do Centro Acadêmico XI de Agosto, integrando o núcleo de estudantes que funda o Oficina, grupo de teatro amador. Seus primeiros textos, Vento Forte para Papagaio Subir, 1958, e A Incubadeira, 1959, ambos autobiográficos, são montados pela equipe sob a direção de Amir Haddad. Para comemorar a presença de Jean-Paul Sartre no país, traduz e adapta, juntamente com Augusto Boal, líder do Teatro de Arena, o roteiro cinematográfico de A Engrenagem, encenado por Boal com o Teatro Oficina em 1960.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na revista Vogue de janeiro de 2007. Ruy Castro, 14/01/2008

Olimpíadas de 1968

Por Gustavo Pinheiro (Editoria de Esportes)
O México foi o país sede das Olimpíadas de 1968, e foi marcado por uma série de curiosidades. Primeiro foi eleita apesar do protesto de médicos e fisiologistas, que faziam sérias ressalvas quanto à prática esportiva na altitude. Nessa disputa ela ganhou de cidades como Buenos Aires na Argentina, Detroit nos Estados Unidos e Lyon na França. Esta seria a primeira olimpíada disputada na América Latina.

Foi conhecida como a primeira olimpíada a ter o controle ao uso de doping e a introdução das provas de comprovação de sexo para as provas femininas, provavelmente pelas suspeitas sobre as características físicas de algumas campeãs dos países do bloco socialista. Nenhuma mulher foi desclassificada, mas muitas importantes atletas não se inscreveram nas competições. Foram também as primeiras olimpíadas em que as duas Alemanha competiram separadas, enquanto África do Sul e China ficaram de fora.

A altitude causou um fato interessante: a falta de 30% do oxigênio na mistura do ar permitiu a quebra de 68 recordes mundiais e 301 olímpicos, muitos deles perduraram anos, mas fez efeito contrario nas provas de resistência. Muitos acabaram abandonando essas provas devido à falta de preparo em altitudes.

Os Jogos Olímpicos do México ficaram marcados pela situação política em que foram realizados, com inúmeras revoluções e protestos ocorrendo em todo o mundo, o que acabou sendo levado para o esporte de uma forma ou de outra. Pelo bloco socialista, inúmeros atletas ganharam medalhas e foram contestados quanto ao uso de doping. O preconceito racial também chegou aos esportes nos Jogos de 68. A delegação norte-americana era dividida em duas: brancos e negros. Liderados pelo sociólogo e ex-atleta Harry Edwards, atletas negros ameaçaram um boicote aos Jogos. Quando todos achavam que a história tinha acabado, Tommie Smith e John Carlos, que conquistaram respectivamente as medalhas de ouro e bronze, nos 200 metros rasos, subiram ao pódio com luvas pretas e levantaram o punho esquerdo fazendo a saudação ao movimento negro conhecido como panteras negras. Foram expulsos dos jogos e tiveram suas medalhas caçadas, mas outros atletas negros aderiram ao movimento, porém sem serem tão “agressivos”.

Mas um momento alegre marcou também esses jogos, foi no México que pela primeira vez uma mulher conduziu a tocha olímpica: a mexicana Enriqueta Basílio, especialista nos 400 metros rasos, tornou-se a primeira mulher a acender a pira olímpica. Apesar de toda essa agitação, o México ficou marcado como a pior participação de um país sede em jogos olímpicos, com o 15º lugar apenas.

O Brasil com uma delegação de 84 atletas ganhou apenas três medalhas, sendo uma de prata e duas de bronze. A medalha de prata foi concedida a Nelson Prudêncio no salto triplo, Na Vela, na classe Flying Dutchmann, Reinald Conrad e Bukhard Cordes, ganharam o bronze e Servílio de Oliveira conquistou a primeira e única medalha do Brasil no boxe, bronze entre os meio-médios.

Uma mistura de sabor, 1968

Por João Paulo Zaccarias (Editoria de Música)

“Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou...”

O ponto principal de qualquer narrativa começa nos fatores históricos em que o assunto está imerso. Assim, sinto quase vivamente a juventude do final do ano de 1967. O meu olfato capta algo úmido, já o meu corpo encontra-se em sintonia nirvana, recitando poesias de Dylan Thomas e escutando um Rock de contestação de Janis Joplin, ou talvez Jimmy Hendrix. Não consigo identificar ao certo, mas sei que o som está lá, reivindicando fatos do ano que não acabou.

No ano de 1968, em meio aos acontecimentos políticos no Brasil, a esperança da liberdade de expressão escorre entre as mãos do povo brasileiro, o grito da opressão enche os pulmões de ar com falas sem sons, reprimido pela ditadura que pôr um longo período deixou mudo o cenário sem paredes do país.

O país estava desse jeito, quando a tropicália emergiu. Ela trouxe consigo uma visão crítica das contradições de uma modernidade que se instaurou em uma sociedade presa a paradigmas retrógrados. A estética do tropicalismo e seu apego antropofágico deram novos rumos aos protestos contra a parafernália política, instalada no Brasil. Contudo, o valor atribuído ao movimento musical tropicalista vai além de instrumento político. A linguagem poética empregada nas letras incute na massa uma ideologia, um comportamento. O poder que a indústria cultural tinha sobre a massa, ajudou a fixar o movimento na mente daqueles jovens, que tinham sede de se livrar das amarras da política ditatorial. O movimento possuía uma estima cultural muito forte, as influências musicais vindas de fora do país se propagavam de forma ímpar, àqueles sons de guitarras fundiam-se ao estilo abrasileirado, dando uma nova característica à música brasileira.

O Brasil fervilhava naquele ano de 1968. A ânsia que o brasileiro tinha por liberdade fez com que a manifestação cultural criasse um novo campo de subterfúgio para poder se expressar: as músicas falavam de liberdade, sem tê-las; o teatro almejava a liberdade; as letras dos livros corriam soltas em linguagem metafórica. Tudo que o brasileiro queria era poder voar como aves sublimes sobre o céu azul. A época era riquíssima, a tropicália do povo cria uma estética contemporânea fiel a tudo que o momento necessitava. O discurso do movimento era preciso, seus participantes tinham um olhar futurista, igual ao dos nossos modernistas da Semana da Arte Moderna do ano de 1922.

Embora tudo contribuísse para que o movimento tivesse vida longa, em dezembro de 1968 Caetano Veloso e Gilberto Gil foram detidos no apartamento em que moravam, em São Paulo e foram forçados a prestar depoimento na Polícia Federal, morria a partir desse momento o movimento. Mas em nossas lembranças a tropicália estará sempre viva, como um legado cultural daquele ano de 1968, um período cheio de acontecimentos, que ilustrou o mundo com várias inovações e que, até hoje, alimenta reflexões sobre os mais variados contextos.

Cinema Internacional

Por Leandro de Araújo (Editoria de Cinema)

Filme referência em 1968, estrelado por Sean Connery e Bridgit Bardot, Shalako foi uma das poucas produções gravadas em inglês pela atriz francesa. O longa-metragem, na época, tido como um filme de vanguarda, rompia com esquemas tradicionais, mostrando que os índios tinham voz e razão, apesar do conflito entre raças e a discriminação enraizada na sociedade. Shalako tem vários elementos do cinema clássico: o foco no personagem principal (tudo gira em torno do próprio sem perder a essência da obra) chama a atenção do espectador, fazendo com que o mesmo se identifique; conflitos que prendem o publico (se não tiver um conflito amarrado há perda de interesse); o humano, visto em sua diversidade; a violência sem limites (crueldade) exposta em várias cenas; etc.

É possível gerar ruptura a partir do que a tradição nos ensina? Shalako, imperdível, é uma vitrine de possibilidades. Produzido e exibido em cinemas do mundo inteiro o longa deveria ser visto com cuidado por cineastas brasileiros que costumam deixar de lado a narrativa em favor de intenções que ficam ocultas. Um roteiro bem trabalhado não garante um filme. É preciso filmar com precisão e transpor as idéias para realidade.

Imagens do filme: Sean Connery e Brigitte Bardot

quinta-feira, 15 de maio de 2008

1968: Uma nova atitude musical

Por Leandro Nascimento (Editoria de Música)

O compositor e cantor Caetano Veloso dizia: "A Tropicália foi o avesso da Bossa Nova". Este movimento revolucionou o status quo da música brasileira. Dessa corrente, liderada pelo baiano de Santo Amaro da Purificação, também participaram ativamente os compositores Gilberto Gil e Tom Zé, os letristas Torquato Neto e Capinam, o maestro e arranjador Rogério Duprat, o trio Mutantes e as cantoras Gal Costa e Nara Leão. A Bossa Nova introduziu uma forma original de compor e interpretar. A Tropicália, por sua vez, não pretendia sintetizar um estilo musical, mas sim instaurar uma nova atitude: sua intervenção na cena cultural do país foi, antes de tudo, crítica.

A intenção dos tropicalistas não era superar a Bossa Nova, da qual Veloso, Gil, Tom Zé e Gal foram discípulos assumidos, especialmente do canto suave e da inovadora batida de violão de João Gilberto, conterrâneo dos quatro. No início de 1967, esses artistas sentiam-se sufocados pelo elitismo e pelos preconceitos de cunho nacionalista que dominavam o ambiente da chamada MPB. Depois de várias discussões concluíram que, para arejar a cena musical do país, a saída seria aproximar de novo a música brasileira dos jovens, que se mostravam cada vez mais interessados no pop e no rock dos Beatles, ou mesmo no iê-iê-iê que Roberto Carlos e outros ídolos brazucas exibiam no programa de TV Jovem Guarda. Argumentando que a música brasileira precisava se tornar mais "universal", Gil e Caetano tentaram conquistar adesões de outros compositores de sua geração, como Dori Caymmi, Edu Lobo, Chico Buarque de Hollanda, Paulinho da Viola e Sérgio Ricardo. Porém, a reação desses colegas mostrou que, se aderissem mesmo à música pop, tentando romper a hegemonia das canções de protesto e da MPB politizada da época, os futuros tropicalistas teriam que seguir sozinhos.

As canções Alegria, Alegria (de Caetano) e Domingo no Parque (de Gil) chegaram ao público já provocando muita polêmica, no III Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, em outubro de 1967. As guitarras elétricas da banda argentina Beat Boys, que acompanhou Caetano, e a atitude roqueira dos Mutantes, que dividiram o palco com Gil, foram recebidas com vaias e insultos pela chamada linha dura do movimento estudantil. Para aqueles universitários, a guitarra elétrica e o rock eram símbolos do imperialismo norte-americano e, portanto, deviam ser rechaçados do universo da música popular brasileira. No entanto, não só o júri do festival mas grande do público aprovou a nova tendência.

O movimento só passou a ser chamado de tropicalista a partir de fevereiro de 1968, quando Nelson Motta publicou no jornal Última Hora um artigo intitulado "A Cruzada Tropicalista". Nele, o repórter anunciava que um grupo de músicos, cineastas e intelectuais brasileiros fundara um movimento cultural com a ambição de alcance internacional. O efeito foi imediato: Caetano, Gil e os Mutantes passaram a participar com freqüência de programas de TV, especialmente do comandado por Abelardo Chacrinha Barbosa, o irreverente apresentador que virou ícone do movimento. Em maio de 1968, o estado-maior tropicalista gravou em São Paulo Tropicália ou Panis et Circensis, álbum coletivo com caráter de manifesto. Caetano coordenou o projeto e selecionou o repertório, que destacou canções inéditas de sua autoria, ao lado de outras de Gil, Torquato Neto, Capinam e Tom Zé.

Vale ressaltar também que no cenário da música internacional, o grande sucesso de 1968 foi Hey Jude, dos Beatles, mas eles emplacaram ainda dois outros sucessos na lista dos 100 mais, Lady Madonna e Revolution.

E o ano de 1968 chegou ao fim, não sem antes deixar o AI-5 e um aperto brutal de censura, qua já existia e que chegou até alterar, praticamente na hora da apresentação, algumas letras de músicas dos festivais. Iniciou-se uma fase de perseguição e êxodo de artistas e até mesmo o declínio dos festivais, nos moldes em que aconteciam. Um tipo de música, com foco nas letras rebuscadas e de duplo sentido, começou a aparecer, a partir daí, tentando contornar a censura prévia e, ao mesmo tempo, transmitir as mensagens de liberdade, de insurreição, de descontentamento.

Músicas:

Alegria, Alegria – Caetano Veloso

Domingo no Parque - Gilberto Gil

Tropicália - Caetano Veloso

Superbacana - Caetano Veloso

Soy Loco por Ti America - Gilberto Gil/Torquato Neto

Marginália 2 - Gilberto Gil/Torquato Neto

Lindonéia - Gilberto Gil/Caetano Veloso - Nara Leão

Panis et Circensis - Gilberto Gil/Caetano Veloso - Mutantes

2001 - Rita Lee/Tom Zé - Mutantes

Saudosismo - Caetano Veloso

Taça Brasil 1968

Por Eduardo Coelho (Editoria de Esportes)

Organizada entre 1959 e 1968, todos os campeões estaduais disputavam o título em partidas eliminatórias de melhor de Quatro pontos. A competição tinha o objetivo de apontar os representantes do Brasil na Taça Libertadora das Américas, já que, na época, não existia campeonato nacional de clubes.

A Taça Brasil de 1968 foi a décima e última edição do torneio organizado pela CBD (Confederação brasileira de desportos), a fim de indicar o campeão para a Taça Libertadores da América de 1969. No entanto, a competição foi prolongada até outubro do ano seguinte, devido a problemas de calendário e principalmente ao impasse ocorrido no confronto das quartas-de-final entre o Botafogo e o Metropol (SC), que acabou atrasando a competição em quatro meses.

Por conta do longo atraso e da impossibilidade da Taça Brasil de 1968 acabar antes do início da Libertadores da América de 1969, a CBD decidiu em caráter especial indicar os melhores colocados da Taça Roberto Gomes Pedrosa de 1968 como os representantes brasileiros na competição continental, em substituição aos vencedores da Taça Brasil.

Confusões à parte, o torneio finalmente chegou ao fim em outubro de 1969, com o Botafogo sagrando-se campeão, batendo na final o Fortaleza. O Botafogo ainda teve o artilheiro da Taça Brasil, Ferreti, com Sete Gols.

Na TB de 1968 ocorreu uma das maiores goleadas da taça, tais como Botafogo 6X1 Metropol/SC, Atlétivo/GO 5X0 Operário/MS. O Botafogo, Campeão da Copa Brasil de 1968, contava em seu elenco com jogadores como: Ubirajara Motta, Moreira, Zé Carlos (Chiquinho Pastor), Leônidas e Botinha; Carlos Roberto e Nei Conceição; Rogério, Humberto, Ferretti e Lula. Técnico: Zagallo

terça-feira, 13 de maio de 2008

1968: palco de grandes revoluções

Por Alessandro Conceição (Editoria de Teatro)

Eva Tudor, Tonia Carrero, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara e Norma Benguel abrindo uma passeata em 1968 contra a censura
Foto de Ziraldo

Entre as diversas revoluções que aconteceram no ano de 1968 no Brasil, o Teatro também se destacou nesse período buscando uma dramaturgia e estética essencialmente brasileira. As companhias que instituíram tal inovação não agradaram os censores da ditadura. Alguns espetáculos tiveram que ser interditados, por serem, segundo a mentalidade ortodoxa das autoridades, deveras subversivos. Tudo porque, segundo a ditadura, o teatro apresentava uma possível ameaça à segurança nacional.

Os grupos que mais sofreram com isso foram o Arena e o Oficina, os mais atuantes e promissores a lutarem contra a ditadura por meio da arte cênica. Este último teve vários espetáculos interditados por conta da sua linguagem “espetáculo manifesto”. Com forte influencia do teatro de Bertolt Brecht, estes dois movimentos, além de vanguardistas, foram os principais resistentes na luta contra a ditadura militar no ano de 1968. O Teatro passou a ter um caráter essencial nessa luta. A arte cênica não foi usada unicamente com o propósito de entreter, foi além.

A classe teatral se reuniu contra a censura imposta pela ditadura, realizando uma greve geral declarando estado de desobediência civil a fim de ilegitimar as proibições. Contudo, segundo conta Augusto Boal em entrevista exclusiva, nem todos da classe teatral estavam preocupados em fazer política. Apenas visavam bilheteria.

Oficina de manifestação

Roda Viva, 1968.Acervo Idart/Centro Cultural São Paulo .Registro fotográfico Derly Marques

Em 1968 o Grupo de Teatro Oficina completou sua primeira década. O Grupo já gerava inúmeras polêmicas acerca de sua ousadia estética na dramaturgia brasileira. Neste ano de intensa revolução e produção artística, o Oficina encenou as peças Poder Negro, Galileu Galilei, O Rei da Vela e o superpolêmico Roda Viva. Este último foi intensamente perseguido pela ditadura, sofreu inúmeros atentados durante a temporada de São Paulo; em Porto Alegre uma das atrizes chegou a ser seqüestrada e todo o elenco foi agredido, chegando a ponto de a temporada gaúcha ser interrompida. O jornal O Globo, na edição de 11/ 10/ 1968 noticiou que o Serviço de Censura de diversões públicas do Departamento de Polícia Federal determinou que na peça não seria mais levada em cartaz. Os atores de Roda Viva se opuseram e protestaram mesmo sob ameaça de instauração de processo para enquadrá-los. Tudo porque entre as outras ousadias mostradas em cena, a nudez era a mais chocante. O que provocava o interesse, principalmente dos jovens. Em todas as apresentações da peça, a presença do público era maciça.

Em entrevista a Revista Época de janeiro de 2008, o diretor de teatro, José Celso Martinez Corrêa disse que “A grande revolução de 1968 foi tirar a máscara das pessoas. O sujeito passa o tempo todo representando papel de juiz, de delegado, de presidente, de diretor de teatro. Aquela geração libertou-se da hipocrisia (...)”.

Também entrevistada pela Época da mesma edição, a atriz Marília Pêra conta que foi presa duas vezes por praticar teatro. Marília também fazia parte do elenco de “Roda Viva”: “Quando nós, atores da peça ‘Roda Viva’ fomos atacados pelo Comando de Caça aos Comunistas, no Teatro Ruth Escobar, a minha mãe tomou um susto. Ela quis saber se eu era comunista. Eu disse que não sabia. Naquela época, você tinha a necessidade de ser uma pessoa de esquerda. Mas eu não era de esquerda nem de direita (...). Tirar a roupa em cena não incomodava (...). Mas a maior lição que aprendi com 1968 é que tanto faz o lado em que os políticos estão. O que eles querem apenas é poder e dinheiro. O resto é utopia”.

Arena de Contestação

O teatro de Arena foi um grupo que tinha como objetivo a busca de uma autenticidade brasileira a fim de mostrar a realidade do país. Dentre as inovações propostas, o sistema curinga foi o mais revolucionário. Mas a partir de 1968, o Arena conheceu o seu campo mais estreito de trabalho. Com a intensificação do controle do Estado sobre a manifestação artística, a produção do espetáculo passou a moldar-se pelo permissível.

Diante das inúmeras imposições, o Diretor do grupo, Augusto Boal, lança como alternativa à censura a Primeira Feira Paulista de Opinião. Concebida e encenada por Boal no Teatro Ruth Escobar, é uma reunião de textos curtos de vários autores - um depoimento teatral sobre o Brasil de 1968 - e do próprio Boal. O diretor apresenta o espetáculo na íntegra, ignorando os mais de 70 cortes estabelecidos pela censura, incitando a desobediência civil e lutando arduamente pela permanência da peça em cartaz, depois de sua proibição.

Palco Explodido

Não bastava apenas proibir peças e companhias de se apresentarem, era preciso impedir também que não houvesse espaços possíveis para isso.

No dia 22 de julho de 1968, após uma apresentação do Roda Viva, o Teatro Ruth Escobar – um dos espaços de discussão mais importante de São Paulo – sofreu um atentado direitista e teve parte de seu prédio violentamente destruído. Conforme noticiou o jornal Tribuna da Imprensa, do dia seguinte.

No Rio, no dia 02 de dezembro, foi a vez de o teatro Opinião ser bombardeado pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC) no Rio. O teatro opinião era um espaço onde ocorriam apresentações de repudio aos excessos cometidos pela ditadura. Ali, artistas não só de teatro, mas também de música (como Gilberto Gil, Nara Leão, Caetano Veloso, etc.) puderam experimentar suas visões contara o sistema conservador da época. Houve ainda inúmeros grupos - como o Opinião e o Decisão – e peças em geral que também sofreram com as restrições do estado, mas O Oficina e O Arena foram os dois grandes movimentos que usaram o teatro como arma de resistência contra a ditadura.

Entrevista – Augusto Boal

por Alessandro Conceição

Criador do Grupo Arena – um dos mais importantes ícones do teatro contestação junto com o Oficina – Augusto Boal fala sobre o conturbado ano de 1968. A entrevista foi concedida durante um Laboratório de Teatro do Oprimido onde Boal aperfeiçoa, com sua equipe de curingas e multiplicadores na sede do Centro de Teatro do Oprimido que fica na Lapa, Rio de Janeiro, o aprimoramento da metodologia que hoje é praticada em mais de 70 países.


Em 1968 o mundo estava passando por um processo de revolução urgente. Como o teatro contribui nessa revolução?

Nós contribuímos com toda força que tínhamos para acabar com o golpe e voltar à legalidade. Porque eles eram subversivos. Eles nos acusavam, mas os subversivos eram eles.

Em 68 foi o auge da rebelião contra a ditadura. Houve um Golpe de estado. No meu caso eu fiz o espetáculo 1ª Feira Paulista de Opinião. Tinha peça de Guarnieri, Lauro César Muniz, Jorge Andrade e minha; tinha música de Caetano, Gil, Ari Toledo, Sérgio Ricardo, Edu Lobo... Tinha vários compositores. E tinha também muitos quadros, muitas pinturas, muitas esculturas. Tinha muita coisa assim. E isso foi proibido pela censura. Toda classe teatral fez uma greve geral. Foram para o teatro e decidiram ilegitimar a censura e declararam estado de desobediência civil. Foi uma coisa muito linda! Houve muita perseguição. A polícia vinha fechava os teatros, cercava os teatros até que a gente conseguiu um mandato de segurança liberando a peça. E a peça foi mostrada depois. Por meio ano foi sempre cheia de gente combativa, gente revoltada com a ditadura.

O Arena se associou ao Oficina e ao Opinião para fazer, em conjunto, algum manifesto teatral?

Não. Era assim: lá em São Paulo tinha o Arena, tinha o oficina, tinha o Decisão, tinha vários grupos. Alguns mais dinâmicos outros menos, uns mais agressivos outros menos. Então, tanto o Teatro Opinião, tanto o Arena de uma forma, o Oficina na sua forma – cada um na sua forma – combatiam o regime. E depois de 68 - que foi o golpe de Estado nazista, o golpe dentro do golpe – acabaram com o congresso. Aí todo esse movimento acabou e muitos entraram na luta armada que naquela época era o único caminho visível.

E o Opinião? Você também ajudou a montar esse grupo?

O Opinião foi um espetáculo que eu fiz aqui [Rio de Janeiro] em dezembro de 64. Esse espetáculo foi com a Nara Leão, Zé Kéti, Edu Vale, depois entrou a Maria Bethânia no lugar da Nara e antes de entra a Susana de Moraes, a filha do Vinicius. E isso foi feito aqui, no local que era na Siqueira Campos. Aí depois de algum tempo nós fomos embora e o grupo continuou chamado Opinião, assumiu o nome do show musical que eu tinha feito e passou a se chamar Opinião.

Você e o Zé Celso Martinez, após 68, fizeram algum trabalho em conjunto? Como é o relacionamento de vocês?

Nós somos amigos, mas não nos encontramos nunca. E como ele é de São Paulo e eu viajo muito é muito raro a gente se encontrar. A última vez faz vários anos. Pessoalmente nosso relacionamento é bom. Artisticamente seguimos linhas diferentes.

E um resumo geral de 1968 em relação à classe teatral?

Não se pode fazer um resumo geral porque são tantos os tipos de reação. Tinha pessoas que não tinha o menos interesse na política, tinha interesse na bilheteria. Então continuaram fazendo o teatro deles para chamar o público para rir; tinha outras que eram mais corajosas e faziam coisas mais intensas; tinha outros que ficaram pelo meio. Mas não havia um panorama que você pode dizer “tal grupo fez tal coisa”. Não dá hoje para você pegar e voltar tanto anos atrás e dizer “olha foi assim e foi assado”. Mas houve uma multiplicidade de reações, não houve uma só não.