terça-feira, 13 de maio de 2008

1968: palco de grandes revoluções

Por Alessandro Conceição (Editoria de Teatro)

Eva Tudor, Tonia Carrero, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara e Norma Benguel abrindo uma passeata em 1968 contra a censura
Foto de Ziraldo

Entre as diversas revoluções que aconteceram no ano de 1968 no Brasil, o Teatro também se destacou nesse período buscando uma dramaturgia e estética essencialmente brasileira. As companhias que instituíram tal inovação não agradaram os censores da ditadura. Alguns espetáculos tiveram que ser interditados, por serem, segundo a mentalidade ortodoxa das autoridades, deveras subversivos. Tudo porque, segundo a ditadura, o teatro apresentava uma possível ameaça à segurança nacional.

Os grupos que mais sofreram com isso foram o Arena e o Oficina, os mais atuantes e promissores a lutarem contra a ditadura por meio da arte cênica. Este último teve vários espetáculos interditados por conta da sua linguagem “espetáculo manifesto”. Com forte influencia do teatro de Bertolt Brecht, estes dois movimentos, além de vanguardistas, foram os principais resistentes na luta contra a ditadura militar no ano de 1968. O Teatro passou a ter um caráter essencial nessa luta. A arte cênica não foi usada unicamente com o propósito de entreter, foi além.

A classe teatral se reuniu contra a censura imposta pela ditadura, realizando uma greve geral declarando estado de desobediência civil a fim de ilegitimar as proibições. Contudo, segundo conta Augusto Boal em entrevista exclusiva, nem todos da classe teatral estavam preocupados em fazer política. Apenas visavam bilheteria.

Oficina de manifestação

Roda Viva, 1968.Acervo Idart/Centro Cultural São Paulo .Registro fotográfico Derly Marques

Em 1968 o Grupo de Teatro Oficina completou sua primeira década. O Grupo já gerava inúmeras polêmicas acerca de sua ousadia estética na dramaturgia brasileira. Neste ano de intensa revolução e produção artística, o Oficina encenou as peças Poder Negro, Galileu Galilei, O Rei da Vela e o superpolêmico Roda Viva. Este último foi intensamente perseguido pela ditadura, sofreu inúmeros atentados durante a temporada de São Paulo; em Porto Alegre uma das atrizes chegou a ser seqüestrada e todo o elenco foi agredido, chegando a ponto de a temporada gaúcha ser interrompida. O jornal O Globo, na edição de 11/ 10/ 1968 noticiou que o Serviço de Censura de diversões públicas do Departamento de Polícia Federal determinou que na peça não seria mais levada em cartaz. Os atores de Roda Viva se opuseram e protestaram mesmo sob ameaça de instauração de processo para enquadrá-los. Tudo porque entre as outras ousadias mostradas em cena, a nudez era a mais chocante. O que provocava o interesse, principalmente dos jovens. Em todas as apresentações da peça, a presença do público era maciça.

Em entrevista a Revista Época de janeiro de 2008, o diretor de teatro, José Celso Martinez Corrêa disse que “A grande revolução de 1968 foi tirar a máscara das pessoas. O sujeito passa o tempo todo representando papel de juiz, de delegado, de presidente, de diretor de teatro. Aquela geração libertou-se da hipocrisia (...)”.

Também entrevistada pela Época da mesma edição, a atriz Marília Pêra conta que foi presa duas vezes por praticar teatro. Marília também fazia parte do elenco de “Roda Viva”: “Quando nós, atores da peça ‘Roda Viva’ fomos atacados pelo Comando de Caça aos Comunistas, no Teatro Ruth Escobar, a minha mãe tomou um susto. Ela quis saber se eu era comunista. Eu disse que não sabia. Naquela época, você tinha a necessidade de ser uma pessoa de esquerda. Mas eu não era de esquerda nem de direita (...). Tirar a roupa em cena não incomodava (...). Mas a maior lição que aprendi com 1968 é que tanto faz o lado em que os políticos estão. O que eles querem apenas é poder e dinheiro. O resto é utopia”.

Arena de Contestação

O teatro de Arena foi um grupo que tinha como objetivo a busca de uma autenticidade brasileira a fim de mostrar a realidade do país. Dentre as inovações propostas, o sistema curinga foi o mais revolucionário. Mas a partir de 1968, o Arena conheceu o seu campo mais estreito de trabalho. Com a intensificação do controle do Estado sobre a manifestação artística, a produção do espetáculo passou a moldar-se pelo permissível.

Diante das inúmeras imposições, o Diretor do grupo, Augusto Boal, lança como alternativa à censura a Primeira Feira Paulista de Opinião. Concebida e encenada por Boal no Teatro Ruth Escobar, é uma reunião de textos curtos de vários autores - um depoimento teatral sobre o Brasil de 1968 - e do próprio Boal. O diretor apresenta o espetáculo na íntegra, ignorando os mais de 70 cortes estabelecidos pela censura, incitando a desobediência civil e lutando arduamente pela permanência da peça em cartaz, depois de sua proibição.

Palco Explodido

Não bastava apenas proibir peças e companhias de se apresentarem, era preciso impedir também que não houvesse espaços possíveis para isso.

No dia 22 de julho de 1968, após uma apresentação do Roda Viva, o Teatro Ruth Escobar – um dos espaços de discussão mais importante de São Paulo – sofreu um atentado direitista e teve parte de seu prédio violentamente destruído. Conforme noticiou o jornal Tribuna da Imprensa, do dia seguinte.

No Rio, no dia 02 de dezembro, foi a vez de o teatro Opinião ser bombardeado pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC) no Rio. O teatro opinião era um espaço onde ocorriam apresentações de repudio aos excessos cometidos pela ditadura. Ali, artistas não só de teatro, mas também de música (como Gilberto Gil, Nara Leão, Caetano Veloso, etc.) puderam experimentar suas visões contara o sistema conservador da época. Houve ainda inúmeros grupos - como o Opinião e o Decisão – e peças em geral que também sofreram com as restrições do estado, mas O Oficina e O Arena foram os dois grandes movimentos que usaram o teatro como arma de resistência contra a ditadura.

Entrevista – Augusto Boal

por Alessandro Conceição

Criador do Grupo Arena – um dos mais importantes ícones do teatro contestação junto com o Oficina – Augusto Boal fala sobre o conturbado ano de 1968. A entrevista foi concedida durante um Laboratório de Teatro do Oprimido onde Boal aperfeiçoa, com sua equipe de curingas e multiplicadores na sede do Centro de Teatro do Oprimido que fica na Lapa, Rio de Janeiro, o aprimoramento da metodologia que hoje é praticada em mais de 70 países.


Em 1968 o mundo estava passando por um processo de revolução urgente. Como o teatro contribui nessa revolução?

Nós contribuímos com toda força que tínhamos para acabar com o golpe e voltar à legalidade. Porque eles eram subversivos. Eles nos acusavam, mas os subversivos eram eles.

Em 68 foi o auge da rebelião contra a ditadura. Houve um Golpe de estado. No meu caso eu fiz o espetáculo 1ª Feira Paulista de Opinião. Tinha peça de Guarnieri, Lauro César Muniz, Jorge Andrade e minha; tinha música de Caetano, Gil, Ari Toledo, Sérgio Ricardo, Edu Lobo... Tinha vários compositores. E tinha também muitos quadros, muitas pinturas, muitas esculturas. Tinha muita coisa assim. E isso foi proibido pela censura. Toda classe teatral fez uma greve geral. Foram para o teatro e decidiram ilegitimar a censura e declararam estado de desobediência civil. Foi uma coisa muito linda! Houve muita perseguição. A polícia vinha fechava os teatros, cercava os teatros até que a gente conseguiu um mandato de segurança liberando a peça. E a peça foi mostrada depois. Por meio ano foi sempre cheia de gente combativa, gente revoltada com a ditadura.

O Arena se associou ao Oficina e ao Opinião para fazer, em conjunto, algum manifesto teatral?

Não. Era assim: lá em São Paulo tinha o Arena, tinha o oficina, tinha o Decisão, tinha vários grupos. Alguns mais dinâmicos outros menos, uns mais agressivos outros menos. Então, tanto o Teatro Opinião, tanto o Arena de uma forma, o Oficina na sua forma – cada um na sua forma – combatiam o regime. E depois de 68 - que foi o golpe de Estado nazista, o golpe dentro do golpe – acabaram com o congresso. Aí todo esse movimento acabou e muitos entraram na luta armada que naquela época era o único caminho visível.

E o Opinião? Você também ajudou a montar esse grupo?

O Opinião foi um espetáculo que eu fiz aqui [Rio de Janeiro] em dezembro de 64. Esse espetáculo foi com a Nara Leão, Zé Kéti, Edu Vale, depois entrou a Maria Bethânia no lugar da Nara e antes de entra a Susana de Moraes, a filha do Vinicius. E isso foi feito aqui, no local que era na Siqueira Campos. Aí depois de algum tempo nós fomos embora e o grupo continuou chamado Opinião, assumiu o nome do show musical que eu tinha feito e passou a se chamar Opinião.

Você e o Zé Celso Martinez, após 68, fizeram algum trabalho em conjunto? Como é o relacionamento de vocês?

Nós somos amigos, mas não nos encontramos nunca. E como ele é de São Paulo e eu viajo muito é muito raro a gente se encontrar. A última vez faz vários anos. Pessoalmente nosso relacionamento é bom. Artisticamente seguimos linhas diferentes.

E um resumo geral de 1968 em relação à classe teatral?

Não se pode fazer um resumo geral porque são tantos os tipos de reação. Tinha pessoas que não tinha o menos interesse na política, tinha interesse na bilheteria. Então continuaram fazendo o teatro deles para chamar o público para rir; tinha outras que eram mais corajosas e faziam coisas mais intensas; tinha outros que ficaram pelo meio. Mas não havia um panorama que você pode dizer “tal grupo fez tal coisa”. Não dá hoje para você pegar e voltar tanto anos atrás e dizer “olha foi assim e foi assado”. Mas houve uma multiplicidade de reações, não houve uma só não.

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