terça-feira, 20 de maio de 2008

Uma mistura de sabor, 1968

Por João Paulo Zaccarias (Editoria de Música)

“Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou...”

O ponto principal de qualquer narrativa começa nos fatores históricos em que o assunto está imerso. Assim, sinto quase vivamente a juventude do final do ano de 1967. O meu olfato capta algo úmido, já o meu corpo encontra-se em sintonia nirvana, recitando poesias de Dylan Thomas e escutando um Rock de contestação de Janis Joplin, ou talvez Jimmy Hendrix. Não consigo identificar ao certo, mas sei que o som está lá, reivindicando fatos do ano que não acabou.

No ano de 1968, em meio aos acontecimentos políticos no Brasil, a esperança da liberdade de expressão escorre entre as mãos do povo brasileiro, o grito da opressão enche os pulmões de ar com falas sem sons, reprimido pela ditadura que pôr um longo período deixou mudo o cenário sem paredes do país.

O país estava desse jeito, quando a tropicália emergiu. Ela trouxe consigo uma visão crítica das contradições de uma modernidade que se instaurou em uma sociedade presa a paradigmas retrógrados. A estética do tropicalismo e seu apego antropofágico deram novos rumos aos protestos contra a parafernália política, instalada no Brasil. Contudo, o valor atribuído ao movimento musical tropicalista vai além de instrumento político. A linguagem poética empregada nas letras incute na massa uma ideologia, um comportamento. O poder que a indústria cultural tinha sobre a massa, ajudou a fixar o movimento na mente daqueles jovens, que tinham sede de se livrar das amarras da política ditatorial. O movimento possuía uma estima cultural muito forte, as influências musicais vindas de fora do país se propagavam de forma ímpar, àqueles sons de guitarras fundiam-se ao estilo abrasileirado, dando uma nova característica à música brasileira.

O Brasil fervilhava naquele ano de 1968. A ânsia que o brasileiro tinha por liberdade fez com que a manifestação cultural criasse um novo campo de subterfúgio para poder se expressar: as músicas falavam de liberdade, sem tê-las; o teatro almejava a liberdade; as letras dos livros corriam soltas em linguagem metafórica. Tudo que o brasileiro queria era poder voar como aves sublimes sobre o céu azul. A época era riquíssima, a tropicália do povo cria uma estética contemporânea fiel a tudo que o momento necessitava. O discurso do movimento era preciso, seus participantes tinham um olhar futurista, igual ao dos nossos modernistas da Semana da Arte Moderna do ano de 1922.

Embora tudo contribuísse para que o movimento tivesse vida longa, em dezembro de 1968 Caetano Veloso e Gilberto Gil foram detidos no apartamento em que moravam, em São Paulo e foram forçados a prestar depoimento na Polícia Federal, morria a partir desse momento o movimento. Mas em nossas lembranças a tropicália estará sempre viva, como um legado cultural daquele ano de 1968, um período cheio de acontecimentos, que ilustrou o mundo com várias inovações e que, até hoje, alimenta reflexões sobre os mais variados contextos.

Nenhum comentário: