Pela Editoria de Música
O ano de 68 marcou a ruptura de toda uma juventude frente aos valores paternalistas da sociedade, assim como nas questões políticas e de cunho comportamental. A arte também passou por um processo de questionamento e formatação levando a novas formas de linguagem e assim ao surgimento de expressões artísticas de vanguarda.
Paris foi um dos principais cenários dessa movimentação revolucionária que se alastrou pelo mundo. Em março de 68 o reitor da Universidade de Nanterre, em Paris, instituiu uma norma proibindo os rapazes de visitarem as moças em seus dormitórios, a represália não foi bem aceita por alguns alunos que se organizaram e invadiram a secretaria da escola. A reitoria suspende as aulas e chama a polícia. A partir daí a juventude parisiense desperta e as manifestações se estendem à classe baixa, culminando – em 20 de maio – na greve de 10 milhões de operários.
Nos Estados Unidos foi o ano da liberação sexual, do fortalecimento do movimento feminista em paralelo com a liberação da pílula anti-concepcional. Foi o período da afirmação da mulher na sociedade, também da contracultura com o movimento hippie levando uma juventude a negar os valores de seus pais e buscar seus próprios ideais. Sessenta e oito coincide também com a Guerra do Vietnã; o musical Hair nos palcos da Broadway; a indústria cinemátografia promovendo um longa-metragem da banda The Doors. Foi o período do sexo, drogas e rock’n’roll n’um país que tentava exercer sua supremacia bélica frente a União Soviética dividindo o mundo em duas esferas: a socialista e a capitalista.
No Brasil uma ditadura se configurava após o Golpe de 64. E em março de
No campo da cultura observamos – 10 anos após a invenção da Bossa Nova – o nascimento do Movimento Tropicalista que mesclava manifestações tradicionais da cultura brasileira com novas linhas estéticas. A Tropicália foi representada por grandes nomes da música brasileira como Caetano, Gil, Tom Zé, Os Mutantes e outros. Foi também o ano da peça Roda Viva de Chico Buarque, altamente repreendida pelo regime militar e do lançamento de um dos maiores discos da história: o ‘Álbum Branco’ dos Beatles – precedido de outro clássico da banda inglesa, o álbum ‘Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band’ considerado uma obra-prima.
É incrível como tantos acontecimentos relevantes se deram nesse ano de 68. Acontecimentos com transformações que estão presentes até os dias de hoje em nosso way of life, 40 anos depois. Zuenir Ventura afirma que 68 é o ano que não terminou, mas será mesmo? Realmente é inegável a influênca de 68 para a formatação da sociedade atual, mas porque não vemos, hoje, a movimentação que se via naquele ano? Afinal, somo os filhos de uma geração revolucionária que clamava por mudanças, tentando construir um futuro melhor. Será que a geração de 68 conquistou o futuro com o qual sonhava para seus filhos? Infelizmente me atenho a constatação do intelectual francês Edgar Morin que afirmou: “Não bastasse a ilusão de que esse crescimento da economia resolveria os problemas, eis que agora impera a estagnação. O mal-estar está mais profundo, inclusive nas classes que têm acesso ao consumo. E quando não há mais futuro, a gente se agarra a um presente desprovido de sentido ou ao passado -nação e religião.”
Tropicalismo
Criação conjunta de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Mutantes, Gal Costa etc. Liderado por Caetano e Gil, teve como participantes Torquato Neto, Capinam e Nara Leão (no disco “Panes et Circenses”, de 1968), além dos arranjadores paulistas Rogério Duprat e Júlio Medaglia, vindos do campo da música erudita de vanguarda para a música de massas.
Atuando no contexto de MPB e dos festivais marcados pela valorização da música nacional, as canções tropicalistas incorporam todos os ritmos e adicionam novos elementos – polemicamente a guitarra, símbolo do pop e do rock – a fim de espantar a influência estrangeira no Brasil. Foi um movimento artístico e musical, e não um gênero da música brasileira ao mesmo tempo em que a Bossa Nova é uma vertente do samba. Os gêneros se configuram em: do samba de roda ao bolero urbano, do repente nordestino à música de vanguarda e do frevo à Jimi Hendrix.
Em contraste com as canções de protesto – que anunciam o “dia que virá”, da justiça social baseadas no samba ou na moda da viola, procurando corresponder a um ideal de identidade cultural originado em raízes nacionais – o movimento tropicalista expõe gritantemente as incongruências do moderno e do arcaico, do nacional e do estrangeiro, da cultura de elite e da cultura das massas.
Há uma paródia em relação aos gêneros musicais. A intervenção nos registros sonoros e poéticos é um procedimento constante. Provocou muita controvérsia no campo comportamental, ao atuar de forma agressiva sobre os hábitos ligados ao corpo, ao sexo, ao vestuário e ao modo estético.
O nome vem do título da canção “Tropicália”, de Caetano, extraído de uma instalação do artista plástico Hélio Oiticica. Foi composta sob o impacto do filme de Glauber Rocha, “Terra Em Transe”, além de ter afinidades com a encenação de “Rei da Selva”, de Oswald de Andrade”, por José Celso Martinez Corrêa. O movimento recebeu apoio crítico da poesia moderna paulista, formado por Augusto de Campos, Haroldo de campos e Décio Pignatari, com o qual dialogou.
Áreas de atuação: além dos discos, programas de televisão, festivais da canção da TV Record contrapostos intencionalmente a aparições na “Discoteca do Chacrinha” e no programa “Divino Maravilhoso”, da TV Tupi.
O Tropicalismo foi interrompido pelo Ato Institucional número 5 (AI-5), em dezembro de 1968, quando Caetano e Gil foram presos pelo governo militar.
Para concluir, apesar de ter se revelado tão explosiva quanto breve, a Tropicália influenciou grande parte da música popular produzida posteriormente no país. Até mesmo em trabalhos seguintes de medalhões da MPB mais tradicional, como Chico Buarque e Elis Regina, pode-se encontrar efeitos do "som universal" tropicalista. Descendentes diretos ou indiretos do movimento surgiram em outras décadas, como o cantor Ney Matogrosso e a vanguarda paulistana do final dos anos 70. Ou, já nos anos 90, o compositor pernambucano Chico Science, um dos líderes do movimento Manguebeat, que misturou pop, eletrônico, hip-hop, hardcore, com ritmos folclóricos locais, como a embolada. Ou ainda um grupo de compositores e intérpretes do Rio de Janeiro, como Pedro Luís e seu grupo “Pedro Luis e a Parede”.
Tropicália
Sobre a cabeça os aviões
Sob os meus pés os caminhões
Aponta contra os chapadões
Meu nariz
Eu organizo o movimento
Eu oriento o carnaval
Eu inauguro o monumento no planalto central
Do país
Viva a bossa-sa-sa
Viva a palhoça-ça-ça-ça-ça
Viva a bossa-sa-sa
Viva a palhoça-ça-ça-ça-ça
O monumento é de papel crepom e prata
Os olhos verdes da mulata
A cabeleira esconde atrás da verde mata
O luar do sertão
O monumento não tem porta
A entrada de uma rua antiga, estreita e torta
E no joelho uma criança sorridente, feia e morta
Estende a mão
Viva a mata-ta-ta
Viva a mulata-ta-ta-ta-ta
Viva a mata-ta-ta
Viva a mulata-ta-ta-ta-ta
No pátio interno há uma piscina
Com água azul de Amaralina
Coqueiro, brisa e fala nordestina e faróis
Na mão direita tem uma roseira
Autenticando eterna primavera
E nos jardins os urubus passeiam a tarde inteira
Entre os girassóis
Viva Maria-ia-ia
Viva a Bahia-ia-ia-ia-ia
Viva Maria-ia-ia
Viva a Bahia-ia-ia-ia-ia
No pulso esquerdo bang-bang
Em suas veias corre muito pouco sangue
Mas seu coração balança a um samba de tamborim
Emite acordes dissonantes
Pelos cinco mil alto-falantes
Senhora e senhores ele põe os olhos grandes
Sobre mim
Viva Iracema-ma-ma
Viva Ipanema-ma-ma-ma-ma
Viva Iracema-ma-ma
Viva Ipanema-ma-ma-ma-ma
Domingo é o Fino da Bossa
Segunda-feira está na fossa
Terça-feira vai à roça
Porém
O monumento é bem moderno
Não disse nada do modelo do meu terno
Que tudo mais vá pro inferno, meu bem
Viva a banda-da-da
Carmem Miranda-da-da-da-da
Viva a banda-da-da
Carmem Miranda-da-da-da-da
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