quinta-feira, 26 de junho de 2008

O Fracasso de Annuska

Por Isabela Kastrup (Editoria de Cinema)

Annuska, manequeim e mulher, filme brasileiro de 1968 que marcou a estréia do diretor e roteirista paulistano Francisco Ramalho Jr., foi um verdadeiro fracasso de público e de crítica. Baseado num conto de Ignácio de Loyola Brandão, intitulado Ascensão ao mundo de Annuska, que está no livro Depois do Sol, o filme narrava a história de uma bela moça, Annuska (Marília Branco), aspirante à carreira de modelo, que troca seu amante de meia-idade, Bernardo (interpretado por Francisco Cuoco), pelo jovem e belo Sabato (interpretado por Ivan Mesquita).

O filme, que teve Loyola Brandão atuando como roteirista, marcou a estréia do ator José de Abreu na telona, fazendo um papel minúsculo, foi o primeiro trabalho da empresa de produção cinematográfica Tecla, que reunia nomes expressivos do cinema brasileiro, como João Batista de Andrade, Francisco Ramalho Jr., João Silvério Trevisan e Sidney Paiva Lopes.

Em texto autobiográfico e de memórias, intitulado Uma trajetória particular, o cineasta João Batista Andrade conta que Annuska surgiu numa época em que o mercado de cinema no Brasil (no final dos anos de 1960) tinha uma estrutura obsoleta e pouco inovadora. Os circuitos eram dominados pelo cinema norte-americano, até mesmo pela ausência de uma produção brasileira contínua, que fosse capaz de ocupar e garantir a ocupação das salas nas capitais e no interior.

Nessa época, João Batista já amargava a censura de seu filme Liberdade de imprensa pela ditadura militar: ao ser exibido no Congresso da UNE em 1968, foi apreendido pelo Exército e proibido em todo o território nacional.

Como as novelas faziam estrondoso sucesso de público na época (basta lembrar O direito de nascer), o grupo de cineastas da Tecla resolveu apostar num filme estrelado por Francisco Cuoco, galã das novelas que tinha popularidade impressionante. O plano era ganhar dinheiro com um filme mais comercial, Annuska e assim angariar recursos para que João batista de Andrade pudesse fazer o seu filme, mais político. Mas o tiro saiu pela culatra. Conta João Batista de Andrade:

“Ramalho achava que o projeto teria tudo de "comercial", ainda mais com o Francisco Cuoco, e que com o dinheiro da renda conseguiríamos fazer um outro projeto - o meu, mais político, com forte influência do Cinema Novo e do cinema do italiano Francesco Rosi (Ma no su la citá, O bandido Giuliano, O caso Mattei etc.). O resultado, aliás bastante comum nesse tipo de projeto, foi no mínimo péssimo, a ponto de o ator, que se tornara sócio do filme, desconfiar da seriedade de nossas contas. Mas as contas eram verdadeiras e o Anuska sequer se pagou. Isto é, não se transferiu para o filme o prodigioso sucesso do ator”.

Esse tipo de tentativa – aproveitar o sucesso da TV para alavancar sucessos no cinema nacional deu certo em muitos outros casos, como, por exemplo, A dama do lotação, de Neville deAlmeida, que explorou a nudez de Sônia Braga e deu ótima bilheteria, apesar de mal recebido pela elite formadora de opinião, que considerou o filme meramente pornográfico.

O fracasso do filme foi, de qualquer forma, um resultado da atmosfera pesada e opressiva dos anos de chumbo.

O cineasta Francisco Ramalho Jr., em foto recente.

O diretor João Batista de Andrade (ao centro) nas gravações de Mercúrio no pão de cada dia (1976), produzido para a TV Globo.

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