domingo, 15 de junho de 2008

O principal legado de 68 para a literatura foi o questionamento

Por Flávia Vieira (Editoria de Literatura)

Marco Medeiros, professor de Literatura Brasileira na Faculdade de Formação de Professores da UERJ, sintetiza nesta frase, de Rubem Fonseca, o clima entre aqueles que produziam literatura durante os anos de ditadura no país: "Não há nada a temer exceto as palavras". Marco, que também é escritor, publica alguns de seus textos no blog labirintoseamoras.blogspot.com. Nesta entrevista, o mestre em Literatura Brasileira, pela mesma universidade que leciona, desconstrói aquela história de que no campo da literatura não houve nada de muito significativo nos anos de chumbo.

  • Muitos afirmam que, apesar da efervescência cultural dos anos de 1960 e 1970, essas décadas foram pouco produtivas para a Literatura Brasileira. Você reforça ou rechaça essa afirmação?

Discordo completamente dessa afirmação, pois a década de 60 foi marcada pelo amadurecimento de grandes escritores, como: Lygia Fagundes Telles e Clarice Lispector, que vão continuar publicando durante a década de 1960. O livro de contos mais importante da Clarice, Laços de Família, é um livro da década de 60.

Por outro lado, os escritores que surgem nestas décadas vão marcar, com força, o panorama literário. No final da década de 1960 surge o Rubem Fonseca, que abre uma vertente nova na literatura brasileira.

  • Como se caracterizam as obras deste período?

Na década de 60, principalmente nos últimos anos, a nossa literatura começa a ficar mais questionadora. Então, a gente começa a ter personagens extremamente dilacerados no processo inteiro, personagens que o tempo todo estão buscando sua identidade. Nessa década, a literatura começa a abordar as questões urbanas, começa a se importar com o homem das cidades, o homem dilacerado pelo contexto da pós-modernidade urbana, e isso, fica evidente quando a gente pensa na obra do Ruben Fonseca.

  • Qual o papel da cesura nesse período da história da literatura brasileira? Você acha que de algum modo ela mudou o curso da história?

A censura trouxe para a literatura uma redefinição de valores, principalmente em 1968 após o AI-5, quando a gente passa a ter censura prévia. Como esses textos não são livres na produção os autores começam a buscar outros caminhos e estes caminhos são caminhos de protesto. Eu não chego a afirmar que a censura foi importante para a criatividade, pelo contrário, acredito que se a literatura já foi grandiosa com o país vivendo o que viveu, imagine se essas pessoas fossem livres para escrever tudo que elas queriam. Através do literário, muitas coisas que as pessoas não podiam abertamente discutir ganharam força, por ser ficção.

O primeiro livro do Ruben Fonseca, O Caso Morel, foi censurado. Ironicamente, por conta disso o livro tornou-se um best seller dos subterrâneos, as pessoas tinham uma edição do livro e ficavam passando umas para as outras secretamente, porque a obra estava proibida. O livro traz uma frase que marca bem esses anos todos da nossa literatura, principalmente 67 e 68: "Não há nada a temer exceto as palavras".

  • A partir do AI-5, em 1968, o Estado "institucionaliza a tortura". Qual o papel que a violência ocupa nessa literatura urbana, que surge neste período?

O Rubem Fonseca foi o primeiro autor a trazer para a literatura a violência da cidade grande. Suas narrativas contrariam o discurso, dos ditadores, de moralização do país. Por isso, a perseguição aos autores que seguiram esse caminho. Antes a literatura tinha uma postura que as personagens tinham de ser especiais. A literatura contemporânea é uma literatura que traz para a cena o homem comum que, na década de 60, é o homem urbano, cerceado pela violência.

  • E a poesia?

O final da década de 1960 vai ser marcado, na poesia, pelos poetas marginais. Esses poetas eram jovens brasileiros, que ainda não tinham entrado no circuito das editoras e que reproduziam seus textos em mimeógrafos. Foi a chamada geração mimeógrafo. Então, teremos todos aqueles ecos de contra cultura na literatura.

  • A partir da década de 1960, verifica-se uma interpenetração entre a palavra, a música popular e a critica. Podemos pensar a poesia brasileira, quando olhamos para movimentos como o Tropicalismo e a Bossa Nova?

Existem limites. Não posso dizer que, esses movimentos, são essencialmente literários, mas não se pode negar que havia uma questão literária muito forte neles. Há sim uma convivência muito interessante entre a literatura e as outras artes. Podemos pensar num panorama artístico que, por está inserido em uma década de questionamento, a arte questiona os seus próprios limites. Pois tanto a bossa-nova e mais forte o tropicalismo são movimentos que nascem de uma reflexão crítica. O movimento tropicalista apresenta uma reflexão muito expressiva do literário. Por serem movimentos de vanguarda quebram certos limites: a literatura sendo influenciada pela música, a música influenciando a literatura. Basta dizer que: um dos maiores compositores da bossa-nova está entre os nossos maiores poetas, Vinicius de Moraes.

  • 1968 foi um ano que desconstruiu paradigmas, inclusive culturais, em que medida os reflexos deste ano singular podem ser observados na Literatura Brasileira?

A herança mais forte de 68 para a literatura foi o questionamento. Sessenta e oito foi o grande ano de questionar, seja pela juventude francesa e todos os demais acontecimentos é um ano de questionar. Surge, em 1968, uma geração de escritores muito jovens e a literatura brasileira passa, também neste momento, a olhar, com mais respeito, para produção de autores jovens. As mesmas pessoas que produziam literatura estavam, nas ruas, protestando contra a ditadura. A partir daquele ano as nossas artes começam a contemplar uma produção artística de jovens, recém saídos da universidade ou ainda universitários.

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