domingo, 8 de junho de 2008

A Geléia Geral da linguagem tropicalista

Por Adriano Araújo, Aruan Lotar e Juliana Machado (Editoria de Música)

Criticado por uns, reverenciado e exaltado por outros, assim é o Tropicalismo. Foi um movimento de pouquíssima duração, mas ainda hoje rende frutos no leque de representações que é nossa cultura. Este movimento que buscou a brasilidade teve início em 1967, com a apresentação das músicas Alegria Alegria, de Caetano Veloso, acompanhada dos Beat Boys e de Domingo no Parque, de Gilberto Gil, acompanhada de Os Mutantes, no III Festival de MPB da Record ,em plena ditadura militar, tempos em que qualquer tipo de manifestação cultural, política, estudantil e jornalística era severamente repreendida. Os meios de comunicação (rádio, televisão e imprensa) foram importantes para disseminação das idéias do movimento e este soube investir muito bem nesse espaço, porém não foram determinantes no que se refere às suas criações e seus desdobramentos. Outro tiro certeiro dos tropicalistas foi a escolha da música como principal código de aproximação de suas idéias com a sociedade.

Caetano e Os Beat Boys cantando Alegria AlegriaFestival da MPB, 1967

Gilberto Gil e Os Mutantes cantando Domingo no Parque – Festival da MPB, 1967.

É possível comparar o tropicalismo ao modernismo se entendermos idéias, irreverência e a vereda tropicalista, citando aqui Oswald e Mario de Andrade, matrizes inspiradoras do tropicalismo. Apesar do modernismo ter sido um movimento vanguardista no que diz respeito a desvincular-se da linguagem imposta pelas “forças culturais dominantes”, não teve bastante êxito no contato direto com a massa, em razão do brasileiro não ter o hábito de ler livros e desconhecer a linguagem imposta pelas pinturas. O tropicalismo subverteu a ordem nacional aproveitando-se do espaço dado pelos festivais, – mesmo quando perdiam, como no caso da eliminação da música Proibido Proibir, de Caetano Veloso, quando este, sobre vaias, fez um discurso memorável – além das representações tropicalistas em outras esferas, como no teatro, no cinema e nas artes plásticas.

Caetano e Os Mutantes cantando Proibido Proibir – Festival Internacional da Canção, 1967

O Tropicalismo soube aproveitar muito bem a relação existente entre o brasileiro e a música, com seus diferenciados ritmos. É inegável que foi na música que o tropicalismo melhor expressou o Brasil, com suas diversidades culturais. A mistura de ritmos, marcante na música tropicalista, conseguiu juntar os brasis existentes, revisitando o nosso passado, sabendo aproveitar tudo de bom e ruim existente nele, sempre com bom humor e irreverência, mesmo quando falava sério. O tradicionalismo vigente fazia com que ficássemos presos a determinados padrões. Nesta época o cenário musical brasileiro era dominado pela estética da bossa nova. Com o tropicalismo, essa amarra foi arrebentada e finalmente conhecemos culturas de diversos estados brasileiros, assim como ritmos estrangeiros, como o rock, nessa mistura proposta pela estética tropicalista. Nada era proibido, pelo contrário, a singularidade cultural de diversas regiões do país foi incluída nesta geléia geral que foi o movimento. Porém isso não foi bem aceito pela classe média universitária, que vaiou e muito os tropicalistas Caetano Veloso e Gilberto Gil em suas primeiras apresentações.

Disco Tropicália, lançado em 1967

Voltando às comparações do tropicalismo com o modernismo, não podemos deixar de falar da composição Tropicália, de Caetano Veloso, que abriu oficialmente o movimento tropicalista. A canção manifesto de Caetano foi gravada no seu disco lançado em 1968, ano em que faziam exatos 40 anos do Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade. Neste mesmo ano, Gilberto Gil, em parceria com Torquato Neto, compôs Geléia Geral, que fez parte de seu disco, música na qual possuem trechos do manifesto justapondo com outros versos, numa precisa afinidade intertextual. É explicito uma necessidade de busca às nossas origens, para poder olhá-la, vê-la e entendê-la. Oswald também foi lembrado no teatro, com a montagem por José Celso Martinez Corrêa de O rei da Vela. No cinema, Glauber Rocha não ignorou o processo criativo de Mário Peixoto no filme Limite, de 1934. Aliás, este teórico do cinema novo seria, com seu filme Terra em Transe, uma referência fundamental para o movimento tropicalista, chegando a servir de inspiração para Caetano na composição Tropicália. É de grande importância ressaltar também a influência da poesia concreta dos irmãos Campos e Décio Pignatari, que tinham pretensões semelhantes àquelas presentes no projeto tropicalista. A poesia e o cinema, entre outras manifestações modernistas, estavam à disposição da linguagem estética e crítica do tropicalismo, numa espécie de releitura do passado, para entender aquela época e projetar um futuro.

Terra em Transe, de Glauber Rocha. Lançado em 1967, influenciou os tropicalistas.

Apesar da ditadura, do AI-5, das diversas músicas censuradas e até mesmo o curto tempo de vida do movimento, nada impediu que o tropicalismo buscasse, incessantemente uma música que abordasse nosso país como um todo. Apesar de todos os obstáculos, deixou suas heranças, na conjunção cultura e contra-cultura, buscando apenas o que havia de bom conteúdo e criativo. Deixou claro que havia qualidade e competência nas manifestações culturais do povo brasileiro e estas poderiam ser incorporadas com o que havia de inovador no cenário mundial. Outras gerações vieram e elas beberam e muito da água desta fonte riquíssima que foi o tropicalismo, seja no teatro, no cinema, na música, na literatura ou nas artes plásticas.

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